Alguém que gosta tanto de filmes, como eu, prefere vê-los no cinema, é claro, de preferência em boas condições. Porque estas condições – projeção e som, principalmente - influenciam, sem dúvidas, nossa apreciação do filme. Tive a chance de assistir este Garota Exemplar com projeção e qualidade de som impecáveis, o que permitiu saborear o excelente trabalho de fotografia de Jordan Cronenweth e a trilha sonora de Trent Reznor e Atticus Ross, sem esquecer o esmerado cuidado com a edição sonora, um elemento que normalmente passa desapercebido pela baixa qualidade de som da maioria dos cinemas no Brasil. Sobre a trilha sonora, é a primeira vez que o trabalho da dupla oriunda da banda Nine Inch Nails me impressionou. Confesso que os tinha meio que atravessados na garganta quando injustamente foram preferidos no Oscar 2011, ao invés da fabulosa trilha sonora de Hans Zimmer para Inception-A Origem.
Mas o melhor de Garota Exemplar é sem dúvidas seu roteiro – baseado no livro de mesmo nome e campeão de vendas nos EUA – e a direção segura de David Fincher. Não compartilho do entusiasmo de certos críticos quanto a Fincher, exageros que o pintam como um gênio moderno do cinema. Ele é competente e inspirado em alguns filmes, mas tem seus limites e não vai além do que o cinema convencional dos grandes estúdios lhe permite, nunca tendo alçado grandes voos. Seu último filme, portanto, fica no patamar do melhor que ele é capaz de fazer, mas é só. Não espere alguma obra-prima ou algo totalmente original do ponto de vista da linguagem cinematográfica. Garota Exemplar tem um roteiro excelente, que teve a mão da própria escritora do romance que lhe serviu de inspiração, e possui na sua linha narrativa a curiosa sobreposição de 3 “camadas” que se entrecruzam de forma bastante eficiente, sutil e bem-feita, não deixando nunca o espectador perdido ou confuso. Temos a visão do desaparecimento de Amy como fio condutor da história, o mesmo desaparecimento na visão da própria Amy e o passado do casal envolvido, pela narrativa do seu diário. Fincher manipula o espectador – no bom sentido – levando-o através da história que vai contando, a formar uma opinião sobre Nick Dunne (Affleck), da mesma forma que a mídia faz com o telespectador – no mau sentido - realidade que não escapa da crítica ácida do filme. Além da mídia, ainda sobra lugar no filme para dar suas alfinetadas na vida “perfeita” do american way of life da classe média americana, que sobrevive de aparências e sinais exteriores de riqueza – às custas, muitas vezes, de faturas impagáveis no cartão de crédito.
Ben Affleck, que ultimamente demonstrou um talento bem mais subsistente como diretor (Medo da Verdade, Argo) do que como ator, poderia ter sido uma escolha errada, mas sua falta de expressividade serve como uma luva para o papel. Rosamund Pike (Fúria de Titas, O Retorno de Johnny English) tem sua primeira grande chance no cinema, e não decepcionou. Sua interpretação é segura, madura e eficiente – o que poderá lhe render uma indicação ao Oscar 2015. Outra surpresa é encontrar o comediante trash Tyler Perry como um eficiente coadjuvante. Garota Exemplar é, sem dúvidas, o primeiro filme a surgir nas telas aqui do Brasil que tem grandes chances de figurar entre as premiações do ano que vem. Exageros à parte de certos críticos – aparentemente, há uma unanimidade suspeita considerando o filme um legítimo 5 estrelas – o filme é um thriller bem acabado, com uma boa história, contada no ritmo certo, e que extrapola a simples condição de mais um filme sobre comportamento sociopata por possuir como base um livro cujo conteúdo subjacente é desmascarar a doença por trás de uma sociedade que vive de aparências.