Passado Presente.
Em uma recente entrevista, Ted Sarandos, o diretor de conteúdo da Netflix respondeu a jornalistas que a empresa não divulga seus números de audiência pelo simples motivo que não trabalham para um público específico. De fato isso é notório, já que produções dos mais diversos temas e conteúdos são produzidos em larga escala, sempre visando agradar a todo tipo de espectador, até mesmo aqueles nostálgicos a que se destina a série Stranger Things.
Situada em um pequena cidade americana onde todos conhecem todos e tomando como base o ano de 1983, a série tem seu começo de forma misteriosa quando o garoto Will Byers (Noah Schnapp) simplesmente desaparece. Sem vestígios do que possa ter ocorrido, há uma grande mobilização na cidade, envolvendo não somente os adultos, mas também os amigos de Will que topam qualquer investida para descobrir o que aconteceu de fato.
As investigações preliminares do chefe de polícia Jim Hopper (David Harbour), direcionam para estranhos testes de uma agência governamental que, mesmo sem ter respostas convincentes de seus dirigentes, deixa a todos com uma pulga atras da orelha sobre o que acontece de fato no local. Paralelo às investigações surge um dos elementos vitais a narrativa série, Eleven (Millie Bobby Brown), uma estranha garota cujo semblante triste pouco revela sobre sua existência, mas que aos poucos vai mostrando ser uma personagem vital para o enredo. Eleven se junta, ainda que involuntariamente, ao grupo de pequenos formado pelos carismáticos Mike Wheeler (Finn Wolfhard), Lucas (Caleb McLaughlin) e Dustin (Gaten Matarazzo), sendo estes um dos pilares da diversão proporcionada pela série, já que a força de vontade e o desejo de descobrir sobre o passado de Eleven e como isso tem relação com o sumiço de Will deixa o espectador atento a todo segundo em que estão em cena.
A agência descoberta por Jim está sob o comando do Dr. Martin Brenner (Matthew Modine), um homem misterioso que tem em suas ações a frieza resoluta de alguém que não mede esforços para seguir com suas pesquisas. Modine condensa uma atuação fantástica, já que a situação em que ele se encontra é repleta de dúvidas e questionamentos, mas sua frieza e a total falta de escrúpulos torna-o repugnante a cada novo momento em cena, um vilão notável.
David Harbour é outro ator que se destaca com seu personagem Jim, cuja aparição inicial deixa uma sensação equivocada de seu comportamento social, mas quando tem seu passado dramático revelado passamos a torcer não somente pelo sucesso de sua investigação, mas também para que nada aconteça de ruim com ele. Sempre atenta ao que está sendo feito para descobrir o paradeiro de Will está sua mãe Joyce (Winona Ryder), uma mulher simples mas que deixa claro seu imenso amor pelos filhos, chegando a causar pânico pelo desespero de pensar no que possa ter ocorrido com o caçula. Sua atuação pode não ser notável, mas são várias as situações em que a história a coloca sob pressão e que resulta em momentos únicos.
Por falar em momentos únicos, a série pode se gabar de ter um amontado de situações em que essa expressão se encaixa. A começar pelo fato de ela se passar no começo da década de 80, o que permitiu um clima estrutural que passeia pela cultura daquela época, fazendo uso de uma infinidade de elementos bem característicos. As músicas que vão desde The Clash (Should I Stay or Should I Go), passando por Toto (Afrika) e até The Bangles (Haxy Shade of Winter), sendo que algumas estão sistematicamente encaixadas no desenvolvimento da história, deixando a brincadeira ainda mais divertida. Isso sem deixar de citar a infinidade de easter eggs presentes em cena como cartazes, trechos de filmes, produtos de consumo, brinquedos e citações a outras produções que deixam o espectador mais atento saborear esse paraíso de referências.
Apesar de todo esse amontoado de boas atuações e clima oitentista, a série ainda carrega consigo o trunfo de desenvolver um tenso clima de mistério capaz de causar arrepios pelos motivos certos, sendo eles voltados às explicações que vão sendo moderadamente inseridas para não deixar o espectador perdido, mas ansioso pelo que virá a seguir. Cenas como a da sala iluminada em que um certo individuo conversa com uma certa personagem é, com o perdão do trocadilho, nada menos que brilhante em sua execução e edição. A presença do trio de garotos e da jovem e sempre tristonha Eleven mantém a perspectiva de suspense e expectativa a cada nova descoberta, pois o roteiro respeita a desenvoltura deles como peças chaves para o mistério, mesmo que o sobrenatural paire de forma inteligente no contexto.
Contando com um roteiro bem estruturado, uma direção digna de nota e ambientação fantástica, STRANGER THINGS tem em sua primeira temporada um resultado fenomenal, capaz de agradar mesmo o público mais jovem, embora possua dose extra de tempero para quem viveu os gloriosos anos 80. Um elenco bem escolhido para personagens cativantes deixam a diversão completa.