"Ainda Estou Aqui" é um baita exemplo de como um filme pode ser inteligente sem apelar para o óbvio, ser visceral sem ser gráfico. Aqui, Walter Salles dá uma aula sobre a arte de explorar o horror de maneira sutil e ao mesmo tempo poderosa.
Logo nos primeiros minutos, você percebe: isso aqui é diferente. A introdução é primorosa, com uma reconstituição do Brasil dos anos 70 que parece saída de um filme hollywoodiano — direção de arte impecável, ambientação perfeita, tudo no lugar certo. E aí vem o primeiro ato. Ele é lento. Não é aquele lento "meu Deus, quando isso vai acabar?", mas cansa um pouquinho. E sabe o que eu mais curti nesse primeiro ato? O diretor Salles, que era adolescente na época, enfia um monte de referências pop — músicas, filmes, notícias — que dão aquele toque pessoal, quase nostálgico. É claramente algo muito pessoal das experiências e lembranças do diretor.
A trama segue de forma linear, mas brinca muito com a subjetividade. Você sente o peso da história, mesmo sem que tudo seja jogado diretamente no seu colo. Morte, tortura, desaparecimentos... Tudo isso está lá, mas mostrado nos detalhes, nos silêncios, nos visuais. Nada de forçar barra com diálogos explicativos ou cenas expositivas.
Os atos são claros: introdução, acontecimento, repercussão e conclusão. E o melhor? Os três time skips funcionam muito bem! Nada de cortes toscos ou transições sem sentido. Cada salto no tempo te joga ainda mais fundo na história. A neutralidade da narrativa é algo raro: o filme simplesmente conta uma história real, sem ficar apontando dedos ou bancando o dono da verdade.
Fernanda Montenegro carrega uma carga emocional absurda, sem precisar de uma palavra. Só com o olhar, a postura, você sente tudo: o medo, a angústia, a dor. Sério, é atuação para deixar muito ator internacional no chinelo.
Quando você acha que acabou, vem o pós-crédito. Fotos reais dos envolvidos, dramatizações ao longo do filme... E a conclusão com a música de Erasmo Carlos, Ainda Estou Aqui, que fecha com chave de ouro. Arrepia, porque é humano.
No fim das contas, Ainda Estou Aqui é grande. É cinema brasileiro de verdade, daquele que você termina e pensa: "Pô, finalmente saímos do óbvio." Nada de politicagem barata, nada de repetir as fórmulas cansadas de sempre. É uma obra madura e potente.
Nota: 9/10.