“Ainda Estou Aqui”, filme dirigido por Walter Salles, é uma obra sobre a ditadura militar brasileira, sobre as vítimas desse regime e sobre o impacto da perda dessas pessoas sobre as suas famílias. Porém, acima de tudo, é um longa sobre uma mulher que descobre a sua força em meio ao maior revés que sofreu em vida.
Baseado no livro homônimo escrito por Marcelo Rubens Paiva, “Ainda Estou Aqui” conta a história de Eunice Paiva (Fernanda Torres), que foi alçada ao posto de arrimo de família quando, em 1971, o seu marido, o engenheiro civil e ex-deputado Rubens Paiva (Selton Mello) foi levado de dentro da residência da família para nunca mais retornar.
Chama a atenção durante o filme o fato de que Eunice (ela própria também levada para os porões da ditadura, onde permaneceu por 11 dias) não se vitimiza. Numa época em que as famílias e as pessoas eram obrigadas a se silenciar diante dos acontecimentos, ela tomou a sua dor e a utilizou como força para sua transformação pessoal. Eunice se mudou com a família para uma nova cidade, se formou em Direito aos 48 anos, se tornou uma referência no Direito Indígena e na luta dos familiares das vítimas da ditadura, e conseguiu obter, na justiça, o reconhecimento do destino de seu marido.
A história de Eunice nos é contada pelo diretor Walter Salles num filme repleto de sutilezas. Do contraste entre a alegria do início do longa, com a presença da música, da festa e dos sorrisos; para o vazio do silêncio que se segue após o desaparecimento e assassinato de Rubens Paiva. Discrição essa que é adotada pela família Paiva, que não pode comentar e nem vivenciar seu luto. Eles resistem. A imagem de uma Eunice, já idosa (interpretada por Fernanda Montenegro), serena, presa em seus próprios pensamentos, com um olhar que grita a dor de quem nunca pôde vivenciá-la em público é a imagem que fica em mim e que eu carrego comigo desde que assisti a “Ainda Estou Aqui”.
Dentre as inúmeras funções que o cinema pode desempenhar está a do resgate da memória, por meio das representações que pode fazer. Daí a importância de “Ainda Estou Aqui”. Num paralelo com o título do filme, as Eunices que resistem ainda estão aqui; os Marcelos que revisitam suas próprias histórias ainda estão aqui; aqueles que defendem o indefensável ainda estão aqui; aqueles que fizeram atos crueis e criminosos ainda estão aqui. É preciso lembrar sempre, tocar na ferida. Ao lembrarmos, somos rememorados daquilo que não devemos repetir.