É um drama e faz chorar. Seria muito difícil entender do que o filme fala e não chorar, mas deve ter quem consiga. Eu não.
Chorei quase o filme inteiro, mesmo nas horas mais ensolaradas, principalmente por saber que acabariam. Mas nelas eu fui surpreendido pelos meus sentimentos: é um drama, faz chorar, mas eu queria ter estado ali, queria ter ido em alguma daquelas festas, queria ter conhecido aquele Rio de Janeiro, aquelas pessoas, como aliás, o Walter Salles conheceu.
E aí é óbvio que o que fica claro é que é um recorte de pessoas privilegiadas, que puderam aproveitar a paz de uma casa sempre aberta a beira-mar. Mas eu queria ter estado ali.
O filme retratou de uma forma tão carinhosa, como memórias são, que o sentimento era de desejo de ter vivido aquela época. E talvez seja sobre isso que ele quisesse falar: eles foram felizes. E nem trata da dor anterior, afinal Rubens Paiva já tinha sido alijado de seus direitos políticos quase uma década antes, já tinha se exilado na Iuguslávia e na França. Mostra essa fase da vida em que eles pareciam, ou relembram hoje como inteiramente feliz.
A militância era algo tangente, tema de conversas, do medo dos pais do envolvimento da filha, e presente na ação subterrânea, quase caridosa do engenheiro que ajudava a troca de cartas de exilados políticos. A opressão era objeto das reportagens, ainda que censuradas, e também presente no cotidiano, como na cena da blitz no começo do filme.
A vida era de amigos.
Até que a tragédia vem, como pode alguém tirar seu marido de casa e ele nunca mais voltar. Como pode um estado que carrega para um centro de tortura uma adolescente e sua mãe. Como pode essa gente, ainda impune, ter negado a morte de um pai? Pior, ter tentado matar as memórias da família inventando histórias sobre ele.
Eunice não morreu, sobreviveu, e ainda sobrevive como um ícone da luta contra a ditadura, ainda que talvez só agora esteja sendo reconhecida como deve. Mais, Eunice levou a vida, continuou como deveria continuar.
Alguém me disse que esperava ter se emocionado mais. Acho engraçado isso de ir para um filme pensando em se emocionar, eu também fui e tenho curiosidade de como um estrangeiro vai ir ver o filme, principalmente sem saber de antemão que Rubens não volta.
Mas duas cenas me fazem entender como o filme intencionalmente não queria que a gente se emocionasse tanto assim, de alguma forma. Assim como Eunice não quis, assim como a escolha de Eunice foi a de lutar, mas a de seguir.
Logo que volta da tortura (ela sofreu tortura, ainda que não física), e encontra sua filha, outra vítima, mas que ela vá para a escola, que siga a vida, que agora era ela quem cuidaria disso. Esse entendimento se completa quando uma irmã diz para a outra: “nós não falamos disso”.
Eunice falava com os adultos disso, Eunice lia e relia os processos, as notícias. Mas escolheu que os filhos continuassem a viver. O que ela também fez e é mostrado nas importantes cenas de 1996 e 2014. A vida continuou, nova pessoas vieram, eles tiveram novo sonhos, novos desafios, ainda que a presença do pai ainda fosse constante.
A sensação é de que cabiam mais histórias, que queríamos saber mais de como eles estavam nas passagens de tempo, do que faziam, do que foi a vida profissional de Maria Lucrécia Eunice. Poderia tranquilamente ter mais meia hora de filme.
Fernanda Torres está sendo aplaudida como deve, numa atuação naturalíssima. Em nenhum momento vemos só a atriz, sempre a personagem está na tela. Mas todas as atuações merecem destaque, as filhas são espetaculares. Pensei que se fosse ficcionalizado de outra forma, talvez um diretor optasse por excluir alguma das filhas, mas elas ficaram ali e foi possível entender um pouco da personalidade de cada uma, e de Marcelo também, ainda que esse seja ainda uma figura pública. As atrizes que as interpretaram foram gigantes, nem sei qual foi melhor. A Zezé também merece demais destaque, a presença dela é muito natural.
Ademais, os amigos também foram bem representados, e é muito interessante olhar nos créditos e ir pesquisar quem são aquelas pessoas, quem é a Dalal, o Gaspa, o Baby, todos grandes figuras da nossa história.
Fernanda Montenegro não precisa nem falar.
O Oscar? Quem sabe, mas se vier vai valer simplesmente por fazer ele ser mais assistido. Pra isso o filme serve, pra ser assistido.