Lançado em 2014 sob a direção de Mauro Lima, Tim Maia é uma cinebiografia que se propõe a retratar a intensa e conturbada trajetória de um dos maiores nomes da música brasileira. Baseado no livro Vale Tudo – O Som e a Fúria de Tim Maia, de Nelson Motta, o filme busca reconstruir a ascensão do cantor, desde a infância humilde no Rio de Janeiro até sua consagração como um dos mais influentes artistas da música nacional. No entanto, a produção não esteve isenta de críticas, tanto pela forma como manipulou certos eventos biográficos quanto pelo seu impacto cinematográfico.
A narrativa segue uma estrutura linear tradicional, acompanhando o protagonista desde sua infância no bairro da Tijuca até sua morte prematura aos 55 anos. O filme destaca momentos cruciais, como sua viagem aos Estados Unidos, onde teve contato direto com o soul music e aprendeu inglês, além de se envolver com crimes que resultaram em sua deportação. A transição para o estrelato é pontuada por episódios de rejeição inicial e pelas suas relações com artistas como Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Jorge Ben Jor.
Contudo, a adaptação da biografia não se atém rigorosamente aos fatos, fazendo uso de licenças dramáticas que, segundo pessoas próximas ao cantor, distorcem a realidade. Hyldon, cantor e amigo de Tim Maia, contestou a cronologia do filme e criticou a maneira como a personagem Janaína foi utilizada para condensar múltiplas mulheres da vida do cantor (O Globo, 2014). Além disso, Erasmo Carlos afirmou que a narrativa exagera ao representar um suposto desprezo de Roberto Carlos por Tim Maia, um elemento essencial no arco dramático do protagonista, mas questionável do ponto de vista histórico. A despeito dessas controvérsias, a trajetória é apresentada com fluidez, e o filme consegue equilibrar momentos cômicos e dramáticos, refletindo a personalidade irreverente e explosiva do cantor. Ainda assim, a falta de precisão biográfica compromete a credibilidade da obra como um retrato fiel da vida do artista.
Um dos grandes trunfos do filme reside na performance de seus protagonistas. Babu Santana, no papel de Tim Maia na fase adulta, entrega uma atuação visceral e convincente, capturando a energia, o carisma e os excessos do cantor. Sua transformação física e a entrega emocional ao papel foram amplamente elogiadas pela crítica especializada (Folha de S.Paulo, 2014). Robson Nunes, que interpreta Tim Maia na juventude, também oferece uma performance sólida, conseguindo transmitir a ambição e a rebeldia do personagem em seus primeiros anos. No entanto, a transição entre os dois atores ocorre de maneira um tanto abrupta, sem um elo narrativo forte o suficiente para suavizar essa mudança.
O elenco secundário, com destaque para Cauã Reymond como Fábio (uma adaptação ficcional de Nelson Motta) e Alinne Moraes como Janaína, cumpre bem suas funções, embora não tenha o mesmo impacto de Babu Santana. Em especial, a figura de Fábio como narrador da história soa deslocada e muitas vezes desnecessária, tirando protagonismo do próprio Tim Maia.
O roteiro de Mauro Lima adapta o livro de Nelson Motta, mas toma diversas liberdades artísticas para condensar a história de Tim Maia. A decisão de incluir um narrador externo, representado pelo personagem de Cauã Reymond, é uma escolha questionável, pois desvia o foco da figura do cantor e cria uma mediação desnecessária entre o público e a história. Além disso, o roteiro falha ao aprofundar aspectos fundamentais da trajetória de Tim Maia, como seu pioneirismo na introdução do soul e do funk no Brasil. Embora o filme destaque sua paixão pelo ritmo americano, não há um aprofundamento nas influências musicais que o levaram a criar um dos legados mais ricos da música brasileira. Os diálogos, em sua maioria, são funcionais, mas em alguns momentos caem no didatismo excessivo, explicando situações que poderiam ser melhor desenvolvidas visualmente. Isso prejudica a fluidez da narrativa, tornando algumas cenas mais artificiais do que deveriam ser.
A direção de fotografia de Adrian Teijido contribui significativamente para a imersão na atmosfera das décadas de 1960 a 1990. O uso de tons quentes e uma iluminação que remete ao clima de casas noturnas e palcos de shows confere autenticidade ao visual do filme. As cenas de apresentação musical são particularmente bem filmadas, utilizando enquadramentos que ressaltam a presença magnética de Tim Maia no palco. A montagem, por sua vez, é ágil, mas em alguns momentos peca pelo excesso de cortes rápidos, que prejudicam a conexão emocional com determinadas cenas.
A trilha sonora é, sem dúvida, o maior ponto forte do filme. Canções icônicas como Azul da Cor do Mar, Gostava Tanto de Você, Vale Tudo e Primavera permeiam a narrativa, criando uma conexão imediata com o público e reforçando a importância de Tim Maia na música brasileira. Além das músicas originais do cantor, a trilha sonora também inclui faixas que ajudam a contextualizar cada período retratado, criando uma ambientação sonora eficaz. A sonoplastia e a mixagem de som garantem que a voz potente de Tim Maia seja devidamente valorizada nas cenas de show.
O desfecho de Tim Maia acontece de forma relativamente abrupta. A morte do cantor, que poderia ter sido um momento de grande impacto emocional, é tratada com certa pressa, sem dar ao espectador o tempo necessário para processar a perda de um ícone. Além disso, o filme não explora com profundidade o legado deixado por Tim Maia. Seria interessante ver mais sobre sua influência na música brasileira após sua morte, incluindo depoimentos de artistas contemporâneos que foram inspirados por ele.
Tim Maia (2014) é uma cinebiografia que acerta em capturar o espírito irreverente e explosivo do cantor, mas que falha em alguns aspectos narrativos e históricos. As atuações, especialmente a de Babu Santana, são o ponto alto da produção, enquanto a trilha sonora enriquece a experiência cinematográfica. No entanto, a escolha de um narrador externo e algumas imprecisões biográficas comprometem a fidelidade do filme à trajetória real do artista. Apesar de suas falhas, Tim Maia é um filme essencial para quem deseja conhecer mais sobre um dos maiores nomes da música brasileira. Como produto cinematográfico, é eficiente, mas poderia ter sido ainda mais grandioso se tivesse dado mais profundidade ao personagem e ao seu legado.