Em 8 de agosto de 1969, a atriz Sharon Tate chegou em casa para o que deveria ter sido apenas mais um dia comum dentro de sua rotina. Aos 26 anos, a duas semanas de ter o seu primeiro bebê, Tate estava ansiosa para que seu marido — o cineasta Roman Polanski — retornasse de Londres, mas seguiu realizando suas tarefas normalmente. Durante a noite, ela almoçou com três amigos no restaurante El Coyote e, logo depois, o grupo retornou para sua casa por volta das 22h30. Nas primeiras horas do dia seguinte, estariam todos mortos.
Para começar a explicar o desenvolvimento de todos os fatores que levaram a este acontecimento, seria necessário voltar alguns anos no tempo e, consequentemente, narrar a trajetória da própria Sharon, que muito se confunde com os acontecimentos ocorridos na década de 60, no geral. Considerada uma das atrizes mais belas e promissoras de sua geração, a modelo norte-americana não apenas fez história na indústria cinematográfica, como também foi responsável por, indiretamente, mudar paradigmas na estrutura judicial e penal no país.
As circunstâncias do ano que rodearam a sua morte, inclusive, foram tão peculiares que tornaram-se a principal temática para o longa Era Uma Vez em... Hollywood, dirigido por Quentin Tarantino. No filme, Sharon é interpretada por Margot Robbie, enquanto Rafal Zawierucha e Damon Herriman vivem, respectivamente, Polanski e o assassino Charles Manson. No entanto, nesta matéria, nosso foco é apenas remontar os principais passos da atriz e modelo — deixemos o restante ao Tarantino.
PRIMEIROS PASSOS
Por mais que geralmente não usemos a expressão "os primeiros passos" de maneira literal, no caso de Sharon a coisa é diferente: antes mesmo de completar um ano de idade, ela ganhou o primeiro de dezenas dos concursos de beleza que viria a liderar durante sua vida. Criada por uma família de classe média em Dallas, no Texas, ela foi responsável por ajudar consideravelmente no pagamento de despesas com o cachê que recebia por seus comerciais publicitários, fotos para propagandas e primeiros trabalhos como modelo. Mas havia uma aspiração maior em sua vida: tornar-se atriz.
Filha de um oficial do Exército dos Estados Unidos, aos 16 anos Tate já havia morado em seis cidades e só foi se estabelecer quando começou a estudar na Itália, para onde seu pai havia sido recentemente transferido. Na escola americana de Vicenza, ela finalmente conseguiu fazer amizades sólidas e encontrou a oportunidade de participar como figurante do filme Adventures of a Young Man, que estava sendo filmado no local.
Sua presença no set chamou a atenção do ator Richard Beymer, que posteriormente iniciou um relacionamento amoroso com ela e a indicou para outros testes de elenco. Alguns meses depois, Sharon fez uma pequena ponta no filme Barrabás, que teve algumas gravações na cidade de Verona. Durante as filmagens, a história se repetiu: o astro Jack Palance ficou impressionado com a beleza da jovem e conversou com alguns contatos para direcioná-la a uma famosa produtora cinematográfica: era o início da ascensão.
DE VOLTA AO LAR
Com a intenção de perseguir o seu sonho, a recém-iniciada atriz voltou para os Estados Unidos, tentando aproximar-se dos principais pólos cinematográficos do momento. Usando dos contatos que havia conseguido na Itália, ela participou de diversos testes e fez alguns outros papéis secundários até, finalmente, chegar em sua primeira série de TV de prestígio, O Agente da UNCLE. No mesmo ano, ela participou de A Família Buscapé, mas decidiu que seu foco deveria ser a carreira nas telonas.
Depois de não passar em um teste para A Noviça Rebelde, Tate finalmente ganhou um papel consolidado em O Olho do Diabo, em 1967, com David Niven, Deborah Kerr e David Hemmings. O longa fez um sucesso razoável e deixou Tate em evidência, mas, naquele mesmo ano, estaria para acontecer algo que mudaria o rumo de sua carreira. Viajando para fazer um novo teste em Londres, ela conheceu o jovem cineasta Roman Polanski, que ainda trabalhava para dirigir um de seus primeiros longa-metragens.
DO TEXAS AO MUNDO
Antes mesmo de atingir a maioridade, Sharon havia conhecido o produtor Martin Ransohoff que, em mais uma das inúmeras coincidências contidas nesta narrativa, estava planejando desenvolver Dança dos Vampiros, comandado por Roman. Na época, a atriz Jill St. John estava praticamente acertada como a protagonista feminina, mas, depois de muita insistência de Martin, Polanski aceitou fazer um rápido teste e concordou em dar o papel para Tate.
Entre tapas e beijos, os dois se apaixonaram ainda no set de filmagen, mas não sem antes brigarem diversas vezes, chegando ao ponto do diretor exigir que ela rodasse quase 100 vezes a mesma cena para consertar "pequenos erros". Rapidamente, a atriz foi morar na casa do cineasta em Londres e Hollywood toda ficou sabendo da história... inclusive o namorado de Sharon, Jay Sebring, que estava morando nos Estados Unidos. Para suavizar a situação, Tate ligou para ele e pediu para terminar o relacionamento.
O estouro de Dança dos Vampiros foi enorme e a carreira de Sharon Tate decolou de maneira intensa, fazendo com que a atriz chegasse a receber mais de 20 propostas de projetos por ano. Ainda em 1967 ela participou da comédia Não Faça Onda, com Tony Curtis, e da adaptação O Vale das Bonecas, baseado no romance de Jacqueline Susann. Neste mesmo ano, ela ganhou sua primeira indicação ao Globo de Ouro, aumentando sua visiblidade para o nível global e ganhando, informalmente, o título de musa do cinema.
Apesar da significância de sua beleza dentro da própria história, Sharon não gostava do rótulo de ser considerada apenas uma mulher bonita casada com um diretor de sucesso — a esta altura, Polanski ainda estava prestes a lançar O Bebê de Rosemary. Ela passou a recusar a maior parte das propostas que recebia, pois procurava por roteiros mais substanciais, que acrescentassem valor artístico em sua vida. Este era seu plano para o início da década de 70, mas um acontecimento trágico entrou no caminho.
INÍCIO DO FIM
Mesmo com um notório comportamento promíscuo, autoritário e destrutivo de Polanski, os dois se casaram e Sharon engravidou do diretor no ano de 1968. Nos últimos anos de sua vida, ela protagonizou Arma Secreta contra Matt Helm e Eram 13... mas Faltava Uma, apenas para cumprir questões contratuais, e decidiu que daria um tempo para reconstruir a sua carreira do zero. Sua intenção era subverter a sua própria imagem.
Aqui, no entanto, é onde voltamos ao início do nosso texto. Por volta de meia-noite do dia 9 de agosto, a atriz e seus amigos foram surpreendidos por três homens e uma mulher, membros da sanguinária família Manson, liderada por um dos mais notórios assassinos em série da história. Eram eles, Tex Watson, Susan Atkins, Linda Kasabian e Patricia Krenwinkel.
Naquela noite, Charles Manson havia ordenado que todos os seus seguidores se dividissem em grupos e matassem à sangue frio diversas pessoas ligadas à Hollywood. Nas paredes, todos eles escreveram com sangue o termo "Helter Skelter", em referência à canção dos Beatles da qual Charles era obcecado. Na casa de Sharon, estavam também o cabelereiro Jay Sebring (seu ex-namorado e agora amigo), a herdeira Abigail Folger e o escritor Voytek Frykovsky. Sharon e Jay foram esfaqueados e enforcados juntos.
Na manhã seguinte, Hollywood amanheceu em pânico, todos os estoques das lojas de armas se esgotaram em velocidade recorde, e as teorias começaram a surgir. Manson ainda não era, nem de longe, um suspeito pelos crimes, e a polícia se encontrava perdida. Alguns depois, o assassino realizou sua segunda onda de assassinatos e as coisas não pareciam ter previsão de melhora. Foi só ao ser denunciado pelos membros da própria seita que Charles foi preso em sua própria casa.
Aos 26 anos, depois de passar por uma relação problemática e tentar se livrar do estereótipo estético aplicado por Hollywood, Sharon Tate foi assassinada à sangue frio dentro de um contexto muito complexo e delicado do que todos os envolvidos. Depois disso, sua mãe, Doris Gwendolyn fez história ao tornar-se a primeira pessoa a ter o direito de se expressar durante audiência oficial, o que contribuiu para que Sharon fosse eternizada: não como vítima, e sim como símbolo de uma luta muito maior.