Em um futuro distópico, a cidade-estado de Chicago, com sua infraestrutura repleta de tecnologia, porém abatida após uma guerra, encontra-se dentro do perímetro de enormes cercas, protegendo seu interior da destruição que ocorreu no restante do mundo. Curiosamente, não são ameaças do mundo externo que criam restrições ou perigos para os habitantes dessa cidade no filme Divergente.
Lançado em 2014, baseado nos livros da escritora norte-americana Veronica Roth, Divergente se utiliza de elementos estéticos da autodescoberta de personagens jovens, sociedades pós-apocalípticas e de romances em meio à tramas políticas com o intuito de, na verdade, demonstrar um estereótipo que não é futurista ou ficcional, mas sim atual, arcaico e profundamente enraizado nas estruturas educacionais, sociais e profissionais de várias culturas do mundo.
A narrativa é uma alegoria aos bloqueios sistêmicos e restrições da liberdade de identificação e criatividade dos indivíduos da sociedade, assim como à falha regra autoimposta de distinção obrigatória dos estilos de pensamento e áreas de atuação da vida das pessoas, de forma a criticar a definição única e inflexível desses elementos.
Desde a aparência das residências até o figurino, muito bem montado na produção, a segregação de estilos é nítida da mesma forma que a segregação dos possíveis pensamentos e comportamentos periódicos das pessoas creditados à relação com eles.
Baseada em facções, a sociedade exposta no filme é organizada em áreas de atuação intrinsecamente ligadas à análise da personalidade e formas de comportamento das pessoas. Nessa sociedade, há os que são definidos como estudiosos, os extremamente francos, os amigáveis, os audaciosos e os abnegados. Fora dessa estrutura, se encontram apenas os sem facção, abandonados à margem da sociedade, e aqueles da classe que dá nome ao filme, os divergentes.
Como protagonista e representação da figura "divergente", está a atriz norte-americana Shailene Woodley. Ainda que mais madura do que a personagem que interpreta na história, Shailene consegue transmitir seu crescimento como a personagem Beatrice, que até muda de nome por livre e espontânea vontade, ainda que com alguns atrasos na expressão de sua evolução como agente firme de transformação tendo em vista o ritmo do restante da trama.
A abordagem desta trama que critica o status quo de rotulação tipificada dos interesses, habilidades e formas de pensar dos membros da sociedade, assim como a obrigação deles de decidir unicamente por um desses valores, é o que transforma a produção em algo diferente dos tradicionais romances juvenis vistos no cinema.
Sua "falha" em agradar apenas a esse público jovem é o que faz a obra servir de reflexão para uma variedade abrangente de interessados, além, é claro, de um entretenimento com uma boa montagem de cena e efeitos especiais agradáveis.
Com figuras realmente representativas das facções à que cada personagem pertence, a produção tem coerência entre as atuações, ainda que haja tenha um desequilíbrio no peso de nomes e experiências do elenco.
Em Divergente, um conflito direto é armado pela superioridade de crenças de determinado grupo, o que provoca as caçadas militares e ideológicas vistas na produção. Contudo, distante da necessidade ficcional de identificação ou mesmo criação de um inimigo materializado, a crítica da produção enaltece que a realidade urge da mesma curiosidade e criatividade para enfrentar problemas impostos por outros ou por si mesma. Problemas que têm como objetivo manter e controlar com autoridade o status quo.