O filme Lucy, dirigido por Luc Besson e lançado em 2014, é uma obra que, à primeira vista, pode ser interpretada como uma mera ficção científica de ação, repleta de efeitos visuais e cenas de perseguição. No entanto, ao mergulhar sob sua superfície, revela-se como um tratado filosófico, uma meditação sobre os limites do potencial humano, a fragilidade do corpo e a vastidão do conhecimento.
A narrativa gira em torno de Lucy (Scarlett Johansson), uma mulher comum que, ao ser exposta a uma substância química experimental, gradualmente expande sua capacidade cerebral até atingir a totalidade de 100%. A premissa, baseada na popular (e equivocada) noção de que os humanos usam apenas 10% do cérebro, é apenas o ponto de partida para reflexões muito mais profundas sobre a condição humana e os horizontes do conhecimento.
Logo no início, o filme estabelece um paralelo poético entre o desenvolvimento humano e a natureza. Besson usa imagens da natureza para simbolizar a evolução da consciência de Lucy, criando uma ponte entre o que é orgânico e o que é abstrato. O uso de cenas de animais caçando, por exemplo, não é apenas ilustrativo, mas sugere a constante luta pela sobrevivência e a evolução das espécies – um reflexo da própria jornada de Lucy rumo ao transcendental. Esse é um dos pontos fortes do filme: a capacidade de usar metáforas visuais para evocar uma reflexão filosófica sobre a nossa existência como seres vivos.
Conforme Lucy vai adquirindo poderes sobre-humanos, o filme propõe questionamentos profundos: O que significa ser humano? O que nos torna distintos no universo? Ao adquirir controle sobre o tempo, o espaço e até sobre as próprias células, Lucy transcende o humano e se aproxima de uma entidade divina, quase um conceito abstrato de conhecimento puro. Ela se funde com o todo, numa espécie de nirvana científico. Aqui, Besson parece explorar a ideia nietzschiana do "super-homem" – um ser que vai além das limitações humanas e atinge uma forma de existência superior.
Mas é exatamente nesse ponto que o filme começa a tropeçar. Ao ampliar as capacidades de Lucy de forma tão extrema, o roteiro se perde em sua própria ambição. À medida que ela se torna onipotente, o filme perde sua tensão dramática. Se não há limites para o que Lucy pode fazer, então não há também um conflito real a ser resolvido. O espectador se vê diante de uma protagonista que não enfrenta desafios, mas que se transforma numa espécie de deusa tecnológica, desprovida de emoções e humanidade. O filme, que inicialmente sugere uma jornada introspectiva e filosófica, acaba se desviando para uma conclusão que, embora visualmente impressionante, carece de profundidade emocional.
Além disso, o final – onde Lucy atinge o pico de suas capacidades e literalmente se transforma em um pen drive (ou em uma forma de conhecimento infinito) – soa anticlimático e simbólico de uma maneira que poderia ter sido melhor explorada. Ao tentar fazer uma analogia entre a fusão de Lucy com o conhecimento absoluto e o armazenamento digital de informações, o filme desumaniza sua protagonista de tal forma que é difícil para o espectador manter uma conexão emocional com a história.
Se há uma crítica a ser feita, é que Lucy tem uma premissa filosófica potente e uma estética visual poderosa, mas parece cair na armadilha de sua própria grandiosidade. Besson tenta abarcar temas como o tempo, a eternidade, a mortalidade e o poder do conhecimento, mas ao final, essas ideias se diluem em uma narrativa que falha em equilibrar o espetáculo visual com a profundidade intelectual que ele inicialmente promete.
O filme é uma obra que flerta com o existencialismo e com o desejo humano de transcender suas limitações. A jornada de Lucy, que começa como uma luta pela sobrevivência e culmina numa fusão com o absoluto, reflete uma busca intrínseca pela compreensão do todo. No entanto, ao sacrificar a humanidade de sua protagonista em prol de uma entidade sem forma, o filme se desconecta da própria essência do que significa ser humano. Mesmo assim, Lucy permanece como uma obra intrigante, que provoca reflexões sobre o conhecimento, a evolução e os limites da nossa existência.