Drama de época; produção luxuosa; temática épica e heróica; pano de fundo trágico, frequentemente ligado às duas guerras mundiais do século XX; cenas de conflito, impactantes e explosivas; trilha sonora e roteiro didáticos; romances fadados ao fracasso; melodramas, lágrimas e personagens femininas unidimensionais; corajosos sacrifícios altruístas; inspiração em arrasadores relatos reais. Estas são algumas das principais características dos filmes que ficaram conhecidos pela alcunha de "Oscar Bait", ou "isca de Oscar", a partir de 1948, produções aparentemente construídas com o único e exclusivo propósito de vencer prêmios na cerimônia da Academia, uma tradição, não por acaso, "iniciada" pelo campeão original de 1929: Asas.
Quase 100 anos após o lançamento da aventura, desenvolvida como uma espécie de tributo aos esforços e heroísmos dos pilotos estadunidenses da Primeira Guerra Mundial, sua produção toma, com o distanciamento histórico, ares quase mitológicos, além de muito atuais. Pois a despeito da glória alcançada no Oscar inaugural, que foi prestigiado por apenas 270 pessoas no Hollywood Roosevelt Hotel e cujos tíquetes custaram apenas US$ 5 — ou US$ 73 dólares na cotação de hoje —, o longa de William A. Wellman, que retorna à Tirando o Mofo após a edição inicial dedicada às quatro versões de Nasce uma Estrela, é dramático e relevante hoje, seja nas telonas ou fora delas, de seus bastidores à sua propriedade.
Escandolosos casos amorosos nos bastidores, o descontentamento da estrela do cinema mudo Clara Bow, que desejava um papel mais substancial para não operar como a "cereja do bolo de um filme masculino", alguns desastres aéreos envolvendo as impressionantes sequências de batalhas de avião do longa — mais sobre isso dentro de instantes —, nove meses de gravação e o constante extrapolamento do orçamento inicial de US$ 2 milhões, uma fortuna para a época, marcaram o período de filmagens. E como se todos estes contratempos e pesadelos não fossem o bastante para perturbar os executivos da Paramount, os responsáveis por Asas ainda precisariam lidar com outra dura pedra no caminho: o próprio Wellman.
Totalmente dominada pelos produtores durante o primeiro século, Hollywood só teria seu eixo gravitacional alterado na década de 1970, por ação dos rebeldes da Nova Hollywood, como Martin Scorsese e Francis Ford Coppola. Até então, contudo, quem mandava no espetáculo eram mesmo nomes como David O. Selznick e Louis B. Mayer, os poderosos ao volante das majors da indústria. Assim, levando em consideração a virtualmente inesgotável potência dos produtores de Los Angeles, que reinavam soberanos sobre o cenário da sétima arte, bastava demitir o problemático Wellman, certo? Não, e por um motivo muito simples: o ex-piloto "Wild Bill" (Bill, o Selvagem) era o único diretor disponível que havia lutado na guerra.
Narra a biografia do realizador — que venceria o Oscar de Melhor Roteiro Original por Nasce uma Estrela, em 1938 — que Wellman só tinha um sonho quando criança: voar — e foi o que ele fez. Aos 19 anos, nos idos de 1915, o futuro cineasta passou a integrar as tropas da Legião Estrangeira, onde aprendeu a pilotar. Promovido à Esquadrilha Lafayette, uma espécie de esquadrão de elite da aviação da guerra, Wellman lutou no conflito bélico europeu até ser abatido, tendo matado, oficialmente, três inimigos. A intensa experiência, evidentemente, modificou a vida do condecorado soldado, que retornou aos Estados Unidos sem perspectivas de trabalho mas com uma determinação excessiva e uma personalidade irascível.
Buscando uma forma de manter seus rendimentos, Wellman aceitou o convite de um amigo muito especial: o astro Douglas Fairbanks (O Ladrão de Bagdá), que viria a ser o primeiro presidente da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. O futuro diretor, então, iniciaria uma curta e muito malsucedida carreira como ator, uma profissão que ele logo repudiaria para assumir um papel atrás das câmeras: afinal de contas, cineastas ganhavam muito mais do que atores coadjuvantes. Só que como piloto de formação e homem de pavio brevíssimo, não demorou para que o realizador entrasse em conflito com a Paramount em Asas, que só aquietou seu desespero quando Wellman provou que sabia muito bem o que queria e estava fazendo.
O local escolhido para rodar Asas foi San Antonio, uma cidade texana conhecida por seus céus límpidos e seus tempos abertos, secos e ensolarados. No entanto, como o diretor-piloto bem argumentou, seria preciso esperar nuvens para que, uma vez que os aviões estivessem no céu, o público pudesse ter maior sensação do movimento do voo das aeronaves — do contário, defendeu Wellman, os veículos pareceriam apenas moscas aos olhos dos espectadores. A espera por dias nublados causou inúmeros atrasos na produção, somando-se à demora na construção de câmeras especiais — estas seriam acopladas aos cockpits dos caças para registrar aquelas que viriam a ser icônicas batalhas aéreas da sétima arte.
Angariando o apoio militar, tático e financeiro das Forças Armadas dos Estados Unidos, Wellman eventualmente convenceu os financiadores por trás de Asas, que concordaram que o realizador concretizasse sua direção da forma desejada — que incluiria a distribuição de câmeras de mão de leve manuseio para que o diretor de fotografia e sua equipe registrassem todos os materiais possíveis. Todos os esforços culminariam, enfim, no resultado final da aventura coestrelada por Charles Rogers e Richard Arlen, os intérpretes dos pilotos Jack Powell e David Armstrong, respectivamente: em outras palavras, algumas das mais impressionantes e instigantes cenas externas filmadas até então.
Conferindo uma liberdade pouco vista no cinema comercial dos Estados Unidos à época, Wellman aproximou-se das experimentações estéticas e visuais de artistas da vanguarda cinematográfica, como os impressionistas franceses e os expressionistas alemães. Marcado por câmeras flutuantes — atadas a balanços e à lataria das aeronaves, que alçaram voo junto aos aviões de Asas —, a aventura hollywoodiana ocupou um inesperado lugar ao lado de arrojadas e revolucionárias obras como o Napoleão, de Abel Gance, e A Última Gargalhada, de F.W. Murnau. A variedade de planos empregada por Wellman e a técnica demonstrada em Asas são tão fortes que perdoam até mesmo o inevitável melodrama do longa.
A proeza das sequências de combates aéreos, todos banhados pela tonalidade sépia do drama de guerra, causou furor na época e impacta ainda hoje, quase cem anos de inovações tecnológicas depois. Ao acompanhar os aviões de perto, do ar, Wellman infundiu um realismo à estrutura narrativa hollywoodiana, aproximando a natureza onírica das obras da época do duro, frenético e violento contexto da guerra — filtrado, é claro, por um prisma patriótico. O audacioso estilo de filmagem, as quedas livres e as perseguições que cortam o céu precedem, por exemplo, o recente épico de Christopher Nolan, Dunkirk, um testemunho do extraordinário e quase inacreditável legado visual e estético de Asas.
E imaginar que quase ficamos órfãos do importante longa de Wellman: durante meio século, Asas foi considerado como perdido. Em 1992, uma desgastada cópia do ousado filme foi encontrada nos porões da Cinemateca Francesa, um negativo ainda impresso na perigosa e altamente inflamável película de nitrato de prata. A aventura só foi finalmente resgatada após um intenso trabalho de restauração e de transferência dos fotogramas para uma película de segurança, baseada no acetato de celulose, menos inflamável que o item — o nitrato de prata supracitado — sobre o qual boa parte do cinema mudo foi gravado. Estima-se, aliás, que 75% de todos os filmes mudos tenham sido perdidos em incêndios.
Extremamente popular desde seu lançamento, que ainda aproveitou o hype gerado pelo voo transantlântico de Charles Lindbergh, em 1927, Asas ficou 63 semanas em cartaz e foi amplamente aclamado pela crítica, que apenas reagiu negativamente à extensa duração da película e à fragilidade de sua narrativa, principalmente no que se refere à subtrama romântica entre Jack e Mary (Bow). As quase 2h30 de Asas, no entanto, tornam-se menos cansativas por causa de sequências como a de Paris, onde Wellman faz sua câmera literalmente sobrevoar diversas mesas dentro de um lotado e suntuoso salão de baile, e por causa do espetáculo técnico que levaria o longa ao Oscar de Melhor Filme.
A atualidade de Asas, diga-se de passagem, não diz respeito somente aos aspectos cinematográficos em si. A vitória do filme no Oscar de 1929, aliás, parece ser um prelúdio do atual estado das coisas da premiação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. No primeiro Oscar, dois filmes sagraram-se grandes vencedores da noite: Asas, que levou para casa o troféu de Melhor Produção; e Aurora, clássico de Murnau, que foi eleito como detentor do prêmio de Melhor Qualidade Artística de Produção. Ambos os troféus seriam extinto já em 1930 para dar lugar ao Oscar de Melhor Filme e, retroativamente, a Academia instituiu a aventura dirigida por Wellman como a detentora inaugural da estatueta de Melhor Filme.
Realizado por um imigrante alemão egresso da escola do expressionismo, Aurora, ao contrário de Asas, é o que chamamos hoje de um "filme de arte". A intenção por trás da criação do caneco de Melhor Qualidade Artística de Produção era prestigiar produções mais restritivas, essencialmente separadas do grupo de títulos comerciais, representado por Asas. Isso não lembra justamente uma das muitas polêmicas envolvendo o Oscar 2019, a da criação da categoria Melhor Filme Popular? O caso do infame prêmio moderno, descartado após uma enxurrada de reações negativas — leia nossa análise —, aliado ao caso de Asas escancara, portanto, o eterno retorno da desafortunada e inevitável tensão entre popularidade e arte.