O diretor Walter Salles, conhecido principalmente pelo premiado Central do Brasil, mostrou ser a favor da cota de tela no streaming. Em entrevista à Folha de S. Paulo, o consagrado cineasta de Terra Estrangeira, Diários de Motocicleta, Linha de Passe e Na Estrada mostrou ser a favor da cota para produções brasileiras no streaming: "A cota de tela no streaming é fundamental. Considero a regulamentação do Estado absolutamente necessária - e não só no cinema".
A medida em questão é em referência à Ancine (Agência Nacional do Cinema) querer estipular uma cota de filmes brasileiros nos catálogos de serviços de streaming, como é o caso da Neflix e da Amazon Prime. Se essa exigência for oficializada — e ela já foi para as emissoras de TV a cabo —, pelo menos 30% das produções disponíveis nessas plataformas terão que ser nacionais.
Há o receio de que tal mudança possa encarecer o valor pago pelos consumidores e até mesmo reduzir as opções de títulos disponíveis, uma vez que a maior parte das produções na plataforma são estrangeiras. Apesar disso, Salles aposta na mudança para trazer novos rumos à atividade audiovisual no Brasil:
"O surgimento das minisséries independentes brasileiras, assim como o de dezenas de programas infantis ou documentários de qualidade, são decorrência direta das cotas para o produto audiovisual brasileiro na TV a cabo, criadas pela Ancine na presidência de Manoel Rangel. A abertura de mercado foi determinante", disse.
Celebrando os 20 anos de Central do Brasil, indicado ao Oscar de melhor atriz (Fernanda Montenegro) e filme estrangeiro, e vencedor do Urso de Ouro em Berlim, o diretor também aproveitou a entrevista para alfinetar a situação política atual, considerada por ele tão degradante quanto na época de Collor:
"Hoje, como o próprio governo propaga, andamos 20 anos em dois. Só que para trás. Considero o governo atual um desastre comparável ao de Collor. Representar esse momento na ficção é uma tarefa complexa, tal a rapidez da degradação. É um tempo mais propício aos registros urgentes, documentais", comentou.
Ele ainda aproveitou para declarar a relevância de O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho, para o cinema nacional:
"Penso que O Som ao Redor é o filme mais importante realizado no Brasil nos últimos anos. Abriu novas fronteiras para nossa cinematografia, renovou o interesse do público interno e externo pelos nossos filmes. Quando esse tipo de reconhecimento ocorre, toda a cinematografia brasileira é beneficiada".
Salles agora segue com o desenvolvimento de seu mais novo projeto, um drama baseado no livro Ainda Estou Aqui, de Marcelo Rubens Paiva. Ambientado no Brasil dos anos 1970, a trama reúne memória pessoal e coletiva.