Dunkirk divide a imprensa entre análises muito elogiosas e outras mais críticas a aspectos discutíveis do filme. Em artigo publicado no The Guardian, a escritora Sunny Singh veio pôr mais lenha na fogueira em apontar um erro crasso do diretor e roteirista Christopher Nolan: omitir a importante participação de soldados indianos e africanos num filme que promete ser uma representação histórica da Batalha de Dunquerque.
"O filme de Christopher Nolan é uma fantasia brexitiana descarada, inadvertidamente conveniente, em que britânicos corajosos se retiram de maneira heróica da costa da Europa", a autora escreve, citando o Brexit como o evento recente oportuno que teria feito Nolan produzir uma ficção excessivamente patriótica e desrespeitosa a outros povos, todos não-brancos, que foram fundamentais no evento da Segunda Guerra Mundial. Singh, assim, acusa Dunkirk de ser apenas mais uma obra que pratica o recorrente whitewhasing (em tradução livre, "embranquecimento") no cinema.
"[O filme] elimina as empresas do Royal Indian Army Services Corp, que não só estavam na praia, como encarregadas de transportar por terra suprimentos que eram inacessíveis pela Força Expedicionária Birtânica. E também ignora o fato de que em 1938, os lascares — em sua maioria do sul asiático e do leste africano — tinham a contagem de um para quatro tripulantes nos navios mercantes britânicos, e, portanto, participaram da evacuação em um grande número", escreve Singh.
Segundo a escritora, esse problema narrativo induz que a Grã Bretanha era isolada do mundo como no atual momento pós-Brexit, "e não o império global" daquele tempo. E então aponta que o "apagamento" de Nolan não se limita aos britânicos. "O exército francês a postos em Dunquerque incluiu soldados de Marrocos, Argélia, Tunísia e outras colônias, e em números substanciais. É possível ver alguns rostos não brancos em uma cena de multidão, e só."
Sunny Singh, então, articula que a imprecisão histórica de Dunkirk ignora e reflete uma questão mais grave na sociedade britânica e européia, excludente e preconceituosa em relação aos imigrantes num momento mundial tão crítico. "Será que chamaríamos pilotos [de outras nacionalidades] de 'baratas' e pediríamos que lanchas militares os impedissem de alcançar nossos penhascos brancos se soubéssemos que eles morreram pela liberdade que consideramos tão cara?", ela provoca. E finaliza:
"Todo contador de histórias — romancistas, poetas, jornalistas e cineastas são, em ultima instância, apenas isso — sabe o poder que tem. Histórias podem desumanizar, demonizar e excluir. Tais histórias são essenciais para pavimentar o caminho para a violência física e matérial contra aqueles que aprendemos a odiar. Mas histórias também são o único caminho para humanizar quem é considerado desumano; para evocar piedade, compaixão, simpatia, até amor por aqueles que são estranhos e estrangeiros. Histórias decidem a diferença entre vida e morte. E é por isso que Dunkirk — e, de fato, qualquer história — nunca é apenas uma história."
Confira a crítica do AdoroCinema sobre Dunkirk.