Essa segunda parte da epopeia sobre uma mulher ninfomaníaca, ou seja, viciada em sexo, não foge muito das características já vistas no filme anterior, até porque é uma continuação direta, e segue a mesma cartilha do didatismo, popularização e é tão provocativo quanto. E claro, encerra o filme com louvor, tudo, todas as intenções de Lars Von Trier, se encaixam finalmente. Até porque, nesse projeto, os dois filmes devem ser vistos como um só: foram concebidos pra apreciação das 4/5/6h, de forma ininterrupta, o que infelizmente, se tornou inviável nos cinemas.
Não há muito o que acrescentar acerca das associações feitas por Joe e Seligman, pois, também assim como o primeiro, Von Trier exemplifica tudo o que quer fazer, nos mínimos detalhes, por saber que está atingindo um público amplo, e dando pouco espaço para a interpretação, de fato. Mesmo quando vai falar, por exemplo, de uma visão de Joe na infância, ou da divisão da Igreja ocidental e oriental, até porque o filme continua tematizando seus capítulos para que, assim, possa falar sobre diversos assuntos, e não apenas 'sexualidade'. Porém, evidentemente por ser o final da história, existe um espaço maior para quem está assistindo dar sua própria definição sobre o que significa uma referência ou outra, mantidas em aberto. Entretanto, também existe muito espaço pra, mais do que nunca, Lars falar através de seus personagens: convicções, opiniões, e até um certo pedido de desculpas implícito às acusações de misoginia que recebeu há alguns anos, em Anticristo; Joe é totalmente oposta à Mulher, protagonista do outro filme do diretor, e é, numa analise bem superficial, isenta de culpa, e por ser mulher, até redimida pelo roteiro em alguns momentos - como no diálogo que encerra a história, no fim do capítulo 8.
Existem sequências memoráveis nessa parte derradeira, todas elas relacionadas ao magnífico estudo de personagem que é esse filme. K, por exemplo, é misterioso, e impossível de se compreender. E P soma muito à história. O que dizer da cena da 'cobrança' de Joe em que ela desnuda o homem, que, até então, não conhecia seu próprio desejo sexual. Aliás, a interpretação própria da personagem sobre alguém que, como ela, nasce com um desejo sexual proibido, é de uma sagacidade brilhante. Interessante notar que o olhar do diretor sobre o sexo, agora até mais do que antes, nunca é sensual, é tudo sempre filmado com a intenção de ser algo quase clínico, ainda mais quando dá closes contínuos nas genitais. Desagradável, e com intenção de ser. Afinal, não à toa Von Trier fez seu nome sendo um dos grandes provocadores do nosso tempo.
Então, depois de tantos pensamentos ou explanações difíceis de assimilar numa tacada só, chegamos num final completamente inesperado, irônico e sarcástico. E o roteiro, corajosíssimo, tira um sarro de toda a trajetória da personagem madrugada afora desde que foi encontrada na rua, machucada. Fazendo uso da interpretação metafórica, de que a cena é fruto de um sonho gerado na mente perturbada e subversiva de Joe, ou analisando a cena final da forma literal, como foi apresentada, em qualquer forma, é inevitável negar a intenção daquele momento, que não passa de uma característica tão presente na filmografia de Lars Von Trier: instigar o espectador, criar um enigma, tomar as rédeas por completo do filme e dizer: 'eu posso fazer o que eu bem entender', mesmo que isso seja negar o que acabou de ser dito alguns instantes atrás. É a cena em que é possível reconhecer o bom e velho Lars, que já fez diversas obras-primas. E aqui, entregou mais um grande filme.