Lançado originalmente em 2022 e relançado em 2024 nos cinemas, The Batman, sob a direção de Matt Reeves, é uma obra que retoma o mito do Cavaleiro das Trevas com uma abordagem única e ousada, explorando a natureza sombria e introspectiva do personagem em uma versão mais crua e realista de Gotham City. Embora o filme tenha sido amplamente elogiado por suas escolhas estilísticas, atuações, direção de arte e cinematografia, aspectos como o ritmo e a construção dos arcos narrativos despertaram críticas por seu caráter moroso e, em alguns momentos, mal amarrado.
Um dos maiores trunfos de The Batman é sua estética visual, que dialoga diretamente com o tom sombrio e decadente de Gotham. A cinematografia, assinada por Greig Fraser, é um espetáculo à parte, misturando cores escuras com contrastes dramáticos de luz e sombra, capturando a opressiva atmosfera da cidade. Cada frame parece meticulosamente pensado para evocar um sentimento de desolação e caos iminente. Essa abordagem reforça a ideia de que Gotham não é apenas um cenário, mas um personagem vivo dentro da narrativa — um reflexo da própria psique de Batman.
Matt Reeves claramente se inspira em filmes noir e no gênero policial, o que se reflete na estética e no clima do filme. A chuva incessante, os becos escuros e a arquitetura gótica enfatizam um cenário que não apenas é perigoso, mas também simboliza o estado mental dos personagens. Essa construção visual impressiona e mantém o espectador imerso na atmosfera densa e perturbadora que permeia a trama.
Robert Pattinson, no papel de Bruce Wayne/Batman, entrega uma interpretação mais introspectiva e vulnerável do herói do que vimos em versões anteriores. Esta encarnação de Batman é menos o bilionário playboy confiante e mais um vigilante atormentado, consumido por sua missão de justiça. Pattinson consegue transmitir, por meio de sua expressão contida e olhar melancólico, o peso da responsabilidade e da dor que define sua vida dupla.
Zoe Kravitz, como Selina Kyle/Mulher-Gato, também é digna de destaque, apresentando uma personagem cheia de nuances, determinada, mas emocionalmente conectada às questões sociais que permeiam a narrativa. A química entre ela e Pattinson é palpável, adicionando uma camada de tensão emocional e de desejo reprimido à história.
Paul Dano, por sua vez, oferece uma interpretação inquietante do Charada. Seu vilão é perturbador, sendo apresentado como um serial killer meticuloso e obsessivo, cujo intelecto afiado e motivações são críveis no contexto de uma Gotham em colapso moral e social. Ele traz uma intensidade psicológica que assombra o público e faz uma crítica ácida às estruturas de poder da cidade.
Apesar do sucesso nas performances e na construção estética, The Batman sofre com problemas significativos em seu roteiro, especialmente no que diz respeito ao ritmo e à estrutura dos arcos narrativos. O filme, com suas quase três horas de duração, adota um ritmo contemplativo, que pode parecer excessivamente lento, mesmo para os padrões de uma trama mais investigativa. Enquanto alguns momentos de pausa são necessários para construir a tensão e o suspense, há uma sensação de arrastamento em certas sequências, especialmente no segundo ato.
Além disso, o desenvolvimento dos arcos de alguns personagens carece de coesão. A jornada de Bruce Wayne, embora emocionalmente densa, parece repetir alguns temas já explorados em versões anteriores do personagem, sem trazer grandes inovações à sua construção psicológica. Por outro lado, o arco da Mulher-Gato, embora promissor, não atinge todo seu potencial narrativo, sendo subutilizado em comparação com sua importância na trama. Há também uma tentativa de inserir muitas tramas paralelas, o que acaba diluindo o foco e, em alguns momentos, fragmentando a narrativa.
O vilão Charada, apesar de bem interpretado por Dano, carece de um desenvolvimento mais profundo. Embora sua presença seja aterrorizante e suas motivações estejam alinhadas com a crítica social que o filme tenta construir, a resolução de seu plano e a conexão com Bruce Wayne parecem um tanto apressadas, deixando pontas soltas que enfraquecem o clímax do filme.
Um dos temas centrais de The Batman é a questão da justiça versus vingança. O filme explora o dilema moral de Bruce Wayne, que, ao tentar purgar Gotham de seus males, precisa confrontar sua própria natureza violenta e o impacto de suas ações na cidade que ele jurou proteger. Matt Reeves insere aqui uma crítica interessante sobre a própria figura do Batman: até que ponto sua cruzada pessoal é eficaz? Ou estaria ele perpetuando o ciclo de violência que tanto deseja quebrar?
Nesse sentido, The Batman parece mais interessado em desconstruir o mito do herói infalível, tornando-o mais humano e falível. É uma abordagem que remete às graphic novels mais sombrias do personagem, como Batman: Ano Um e O Longo Dia das Bruxas, enfatizando o lado detetive e menos espetacular de suas aventuras. No entanto, essa abordagem mais introspectiva, apesar de rica em camadas, pode afastar parte do público que espera mais ação e agilidade narrativa.
Em resumo, The Batman é uma obra visualmente deslumbrante e intensamente atmosférica, que reafirma o talento de Matt Reeves como diretor capaz de criar mundos imersivos e densos. A atuação de Robert Pattinson e o elenco de apoio elevam a narrativa, trazendo interpretações complexas e cheias de camadas para seus respectivos personagens. Contudo, o filme não escapa de seus problemas narrativos, especialmente no que tange ao ritmo lento e à falta de coesão em alguns arcos. Apesar disso, The Batman permanece como uma obra ousada e essencial dentro do cânone do personagem, ao oferecer uma nova perspectiva sobre a figura do Cavaleiro das Trevas, mesmo que, por vezes, tropece em sua ambição narrativa.
O relançamento de 2024 talvez traga uma nova apreciação a essa obra, permitindo que o público revisite as suas camadas, tanto estéticas quanto emocionais, e reavalie suas escolhas artísticas com um olhar mais atento ao que o filme realmente busca oferecer: uma meditação sombria sobre a justiça, o poder e os limites do heroísmo.