Só foi a oportunidade surgir — na forma de Star Trek (2009) — que a verdade se revelou: J.J. Abrams é um excelente, fantástico — todos os adjetivos possíveis e não pejorativos — diretor de ficção científica, assim como um fã de tal. Em 2009 o nova-iorquino abalou as estruturas com a volta triunfante de Star Trek para os cinemas numa aventura repaginada e original, e que ainda assim reverenciava o material no qual se baseava. E não demorou muito: apenas dois anos após o lançamento de Star Trek Abrams lançou para o cinema o longa Super 8 (2011), que continha na medida certa atmosfera dos filmes de ficção científica dos anos 80. Nessa altura, Abrams já havia provado que enfim chegou para ficar. Atualmente já tendo lançado Star Wars — O Despertar da Força (2015) — o que deve ter agradado bastante o cineasta, já que é fã de ambas aventuras intergalácticas —, e sendo produtor do atual Star Trek — Sem Fronteiras (2016) — que não contou com sua direção, já que estava rodando o sétimo episódio de Guerra nas Estrelas — Abrams também teve o dever de dar continuidade às aventuras da Enterprise no ano de 2013, na direção de Além da Escuridão — Star Trek.
A atmosfera da sequência é sombria, mas não se engane: a trama inicial, que engaja boa parte do filme, é bastante simples (se comparada ao do filme de 2009) e nada pretensiosa: James T. Kirk (Chris Pine) acaba de ser rebaixado e perde o comando da nave Enterprise. Tudo muda quando um desertor da Frota Estelar, John Harrison (Benedict Cumberbatch), faz um ataque terrorista a uma das instalações da Frota. Agora localizado nos arredores do planeta Klingon, que se encontra numa guerra iminente com a Federação, Kirk é enviado para capturar Harrison ao lado de sua antiga tripulação e o vulcano Spock (Zachary Quinto).
Definitivamente, Star trek, de 2009, deu o que falar. Foi o ponta pé inicial para o recomeço da franquia e sendo assim Abrams e o roteirista Alex Kurtzman tiveram paciência em preparar o terreno e se sentiram na obrigação de familiarizar os personagens icônicos — agora totalmente repaginados — ao mesmo tempo que continham um bom ritmo quanto ao filme propriamente dito.
Sim, a mesma atmosfera que ronda o seu antecessor Além da Escuridão conquista. Mas entenda que a continuação sofre mudanças.
O tom — como já promete o título — é mais sombrio, contudo o sombrio propriamente dito infelizmente não se revela. John Harrison é um bom vilão e se revela ótimo no seu desenvolver e no seu plot twist. Porém a sua trama não é impactante e sua vilania muito menos gigantesca se comparada ao vilão Nero, de Eric Bana. Sim, Benedict Cumberbatch é um excelente ator e dá todo o seu ótimo desempenho ao vilão, transformando a composição do personagem em algo crível e ameaçador, o problema realmente está no roteiro, que afinal não explora com profundidade do misticismo do antagonista, e mesmo que o espectador fique surpreso com a sua reviravolta John Harrison não é nada além de um psicopata com intelecto de Deus. Claro que o fã que conhece a franquia a cabo com certeza compreenderá o personagem de Cumberbatch melhor, já que ele se revela um antigo personagem conhecido da franquia.
E já que se trata de uma sequência e todos personagens foram apresentados e desenvolvidos no filme anterior, e Além da Escuridão conta praticamente somente com um personagem novo, a sequência de Star Trek tem um ritmo frenético, e as cenas de ação são bastante constantes, sempre acompanhadas de uma atmosfera aventuresca, preocupação que Abrams e os roteiristas — que aqui nesse casso são três — tomaram para que assim mantivessem a essência do original, mesmo que aqui, afinal de contas, essa essência se encontre pouco presente. Dito isso, as cenas de ação — das trocas de tiro das naves espaciais a lutas de corpo a corpo — estão ótimas e prendem o espectador na cadeira. E o efeito especial, parte essencial na maioria das cenas, está excelente — obrigação que um filme deste porte desde já tem que ter (ou não).
Além da Escuridão também emociona, apesar de seu ritmo constante e alguns diálogos pobres de profundidade. Acredite, você sendo fã da antiga/nova geração, a cena que rola entre Kirk e Spock no ato final é de arrancar a lágrima do mais arrogante, embora que a solução para sua trama seja para lá de previsível.
A dinâmica de grupo continuam bem trabalhada. E as figurinhas carimbadas da tripulação além de Spock e Capitão Kirk voltam para marcar seus rostos na nova geração: Scotty, na pele de Simon Pegg; Leonard "Bones", interpretado por Karl Urban; Hikaru Sulu, vivido por John Cho; Uhura e o atrapalhado Pavel Chekov, ambos interpretados por Zoe Saldana e Anton Yelchin, respectivamente. Tão carismáticos, divertidos e interessantes quanto os protagonistas, os coadjuvantes da trama são parte essencial quanto ao filme e conseguem se destacar bastante.
O capitão Kirk e o vulcano Spock, ambos interpretados por Chris Pine e Zachary Quinto — que humaniza Spock mas ainda mantem sua parte vulcana com integridade —, continuam com um desenvolvimento impecável e a ótima dedicação que os atores dão só melhore para que o trabalho resulte em excelente. E já que em 2009 ambos personagens tinham uma relação controversa — por motivos bastante plausíveis, diga-se de passagem —, aqui Abrams e os roteiristas Robert Oci, Alex Kurtzman e Damon Lindelof aproveitam as ações de Harison quanto a tripulação para que assim aproximem ambos os personagens e enfim construam a amizade icônica que os os dois têm desde a série original — e além de tudo isso, se preocupam em colocar mais significância nessa amizade, deixando-a para lá de real e emocionante.
A trilha sonora original aumenta a carga dramática que o filme afinal de contas tem. E provando ser icônica talvez demore para sair de sua cabeça — o que é ótimo, aliás! E além de tudo o respeito ao material original continua presente. Leonard Nimoy reprisa novamente seu papel numa cena de grande importância — mesmo que pequena — e dessa vez o ator passa a tocha para Chris Pine: é ele quem, na pele do Capitão Kirk, encerra o filme com o diálogo marcante: "Audaciosamente indo onde nenhum homem esteve" — em 2009 fora Nimoy que proferira a frase.
Embora não tão marcante e agradável aos fãs como foi Star Trek, de 2009, Além da Escuridão — Star Trek, de 2013, é uma excelente sequência; tem ritmo, fôlego, prende o espectador na cadeira, e faz ele afinal se apaixonar pela gama interessante de personagens — já que esse deve ser, afinal, o maior objetivo do recomeço: provavelmente a Paramount manterá a nova geração nas telonas — ou quem sabe também nas telinhas — por muito tempo. Sem mais delongas Além da Escuridão vale cada minuto, cada centavo e cada batida do coração que o longa proporciona.
Nota: 9.1/10