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    Admirável Mundo Pop: Por que as pessoas estão conversando no cinema?

    Será que o hábito de maratonar no sofá com os amigos está levando os costumes privados para o escurinho público?

    Há uns anos fui assistir a um balé em São Paulo pela primeira vez. Saquei o celular logo no começo da apresentação com a intenção de registrar o momento – era só uma foto, ainda não havia Stories do Instagram na época. Não demorou para eu escutar um comentário ríspido das duas senhoras nas poltronas ao lado. Fiquei irritado e escondi o telefone, com vergonha. Entendi só depois: balé não é show de rock. Cada momento com seu código de conduta. É preciso respeitar.

    Já faz um tempo que os frequentadores de salas de cinema têm percebido algumas práticas irritantes que viraram lugar comum. Se o problema fosse apenas o uso do celular, seria algo até contornável. Enquanto há quem não veja problemas em checar a tela brilhante do aparelho durante um filme, felizmente há quem não tenha paciência e reclame mesmo. “Desliga essa m***a!” foi um dos confrontos que já presenciei em uma sessão, e admito que, apesar de constrangido, celebrei em silêncio quando vi acontecer (não, não era eu com o celular, juro). Nem mesmo receber uma chamada sonora parece algo tolerável, rendendo broncas e vaias compreensíveis. Qual é a desculpa, se o próprio cinema avisa antes do filme para cada um silenciar seu próprio celular?

    Mas o que dizer sobre quem gosta de conversar com o(s) companheiro(s) da poltrona ao lado durante o filme? Sério, há quem pense que papear no escurinho da sessão seja algo tão aceitável socialmente como comer pipoca ou dar gargalhadas em cenas engraçadas. Não estou reclamando de ruídos de admiração ou susto, comentários sussurrados ou cochichos ao pé do ouvido: algumas pessoas estão batendo papo no cinema como se estivessem na sala de casa, esparramadas no sofá, curtindo Netflix.

    Se você nunca percebeu um caso assim ou acha que é exagero, das três, uma: ou teve sorte; ou é um espírito elevado cuja paciência é a maior das virtudes; ou você é justamente um dos que curtem bater papo na sala de cinema. E para deixar claro, esse hábito não acontece só em salas lotadas de filmes blockbusters barulhentos. O povo também conversa alto vendo obras dramáticas ou de maior “apelo artístico”.

    É um fenômeno que não existe por acaso. Muita gente está mudando de hábito e preferindo ficar em casa a ir ao cinema por várias razões. Há uma inegável questão econômica envolvida (está tudo muito caro!). Oportunamente, as ofertas de serviços de streaming já satisfazem grande parte do público. Mas também acredito que tenha a ver com a transformação da televisão em espetáculo nos últimos anos. As séries hoje carregam orçamentos, elencos e ambições dignas das grandes obras para o cinema. Estamos acostumados a assistir episódios de Game of Thrones que não fariam feio na telona. Os filmes, por sua vez, ganharam capricho e efeitos especiais que podem ser percebidos e apreciados também na tela pequena. Lembrando que as televisões em que consumimos esses produtos estão cada vez maiores e com definição apurada, assim como os sistemas de áudio, mais impactantes. A sensação do “cinema em casa” vai ano a ano se tornando possível, dadas as devidas proporções.

    E não dá para ignorar quem adota o ato privado (e mais em conta) de ver filmes e seriados privadamente, em telinhas de computador, tablet ou celular, facilitado pela crescente facilidade de acessar streamings e downloads ilegais.

    Envolvendo tudo, tem uma questão comportamental a mais: dialogar animadamente com os parceiros de sofá ou acessar redes sociais durante os momentos impactantes de um filme ou seriado se tornou hábito aceitável para muitos adeptos do mantra “netflix & chill”, aqueles que preferem ficar em casa a ir ao cinema. É possível que, pela falta de costume, algumas pessoas transportem seus costumes caseiros quando frequentam espaços públicos... às vezes sem nem perceber.

    Isso faz parte de viver nos novos tempos? Ou é algo que nós frequentadores de cinema devemos tentar combater?

    O ato de assistir a um filme em uma sala de cinema pode ter profundos ares de ritual para muita gente – e se você está lendo este texto no AdoroCinema, é bem provável que este seja o caso. Para mim, é uma experiência solitária de imersão profunda que mídia alguma consegue equiparar, por melhor que seja a tecnologia dos produtos “concorrentes”. A sensação de viajar sozinho para outro mundo por duas horas só é perfeita se não houver qualquer distração. É um prazer de direito a todos que possuem um ingresso, e ninguém tem o direito de atrapalhá-lo. Além disso, é uma tradição de mais de um século: as pessoas eram instruídas a “não falar alto ou assobiar” durante um filme desde a época do cinema mudo. O código de conduta dos cinemas é baseado no bom senso e existe há tanto tempo, por que mudar agora?

    Há quem vá além, claro, sempre dá para piorar. Já vi gente que tira os sapatos e posiciona os pés descalços na poltrona da frente, como se fosse a coisa mais normal do mundo. Não é possível que isso se aprenda em casa.

    Você é essa pessoa? Não seja essa pessoa. Quem adora cinema agradece.

    Pablo Miyazawa é colunista do AdoroCinema e consome cultura pop desde que nasceu, há 40 anos, de Star Wars a Atari, de Turma da Mônica a Twin Peaks. Como jornalista, editou revistas de entretenimento como Rolling Stone, Herói, EGM e Nintendo World.

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