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    A História dos Blockbusters - Parte 4: A jornada dos heróis

    Sejam "super" ou não, os personagens heroicos vieram de todas as partes para tomar as bilheterias dos anos 2000 de assalto.

    ANOS ESTRANHOS

    Como Harry Potter só retornaria às bilheterias em 2007, com os US$ 939 milhões arrecadados por A Ordem da Fênix, os Piratas do Caribe reinaram livremente. Em 2006, O Baú da Morte se tornaria o terceiro filme a ultrapassar a barreira do bilhão, ao acumular US$ 1,06 bilhão. Já No Fim do Mundo - rodado conjuntamente ao seu sucessor por um orçamento total de astronômicos US$ 525 milhões, valor mais alto do que a arrecadação da maioria das produções lançadas em 2006 e 2007 -, terminou sua jornada nas telonas com US$ 963 milhões obtidos. O massivo sucesso da trilogia de Gore Verbinski colocou as aventuras de US$ 2 bilhões ao lado de outras sagas triplas de imenso êxito financeiro, como O Senhor dos Anéis; a original de Star Wars e sua prequel; e outra franquia recém-chegada ao ranking, Homem-Aranha - o terceiro filme, apesar das avaliações negativas, fez US$ 891 milhões em 2007 e se tornou a mais lucrativa obra da Sony na história da empresa até o lançamento de 007 - Operação Skyfall, em 2012.

    Apesar de ter encontrado uma mina de ouro em Piratas do Caribe, a Disney também se deparou com um período estranho em 2006. Carros, lançado naquele ano, performou bem nas bilheterias (US$ 462 milhões), mas ficou aquém de seus "parentes" - especialmente quando se trata da opinião da crítica. Considerado como uma das produções menos inspiradas da Pixar, Carros serviu como um aviso para o estúdio, que viu A Era do Gelo 2, da Fox, arrecadar mais de US$ 660 milhões: se a companhia quisesse permanecer na liderança das animações, precisaria se superar a cada obra. Foi exatamente isto que os executivos responsáveis pela nova major fizeram: entregaram, em 2007 e 2008, dois clássicos instantâneos. Apesar de não terem excedido os lucros de Carros em grandes proporções, Ratatouille (US$ 620 milhões) e Wall-E (US$ 533 milhões) iniciaram uma inédita fase na história da produtora, ainda mais profunda e aclamada, que seria coroada com os lançamentos de Up - Altas Aventuras e Toy Story 3, ambos indicados ao Oscar de melhor filme.

    Para além da casa de Mickey Mouse, outra empresa também será essencial para a Marvel em seu caminho para a glória: a Paramount. No período em questão, a major fundada pelo lendário produtor Adolph Zukor em 1912 conseguiu emplacar hit atrás de hit, gerando atenção o suficiente sobre si mesma para que a companhia de Stan LeeAvi Arad se interesasse por uma parceria. Apesar de Missão Impossível 3 (US$ 397 milhões) ter "perdido" a competição direta para 007 - Cassino Royale (US$ 599 milhões) - primeiro longa de Daniel Craig como James Bond e protagonista da fase mais aclamada do espião -, a abordagem de J.J. Abrams para a saga de Ethan Hunt (Tom Cruise) revitalizou a franquia após o insucesso de John Woo no longa anterior. Ressurgindo das cinzas como o personagem de Cruise, a Paramount encostou nas gigantescas Disney e Warner, e na então poderosa Sony em 2007, através da distribuição de outros dois essenciais projetos: Shrek Terceiro (US$ 799 milhões) e, sobretudo, Transformers (US$ 709 milhões).

    BAYMANIA

    Levando a eterna batalha entre os Autobots e os Decepticons para as telonas, Michael Bay explorou o enorme potencial da linha de bonecos que deu origem ao filme para criar um produto derivado explosivo. Por mais que jamais tenham sido inteiramente aprovados pela crítica, especialmente nos tempos mais recentes, os longas de Transformers arrasaram as bilheterias por onde passaram. Avaliada em mais de US$ 4 bilhões atualmente, a robótica franquia - ao lado das animações da DreamWorks, como Kung Fu Panda (US$ 631 milhões) e Madagascar 2 (US$ 603 milhões) - reinseriu sua distribuidora de uma vez por todas no concorrido mercado dos blockbusters. Outro projeto importante para o estúdio no período foi Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal, que teve sucesso em manipular a nostalgia do público (US$ 786 milhões); no entanto, Steven SpielbergHarrison Ford falharam em conquistar a imprensa especializada por causa de sua narrativa confusa e pouco inspirada - hoje, o quarto longa do arqueólogo é visto por muitos como um deslize da bem-sucedida dupla e é voluntariamente esquecido por muitos fãs quando o assunto é Indiana Jones.

    Com a Paramount em alta distribuindo inúmeros sucessos, a Warner precisou se manter na ponta dos cascos. Sem nenhum Harry Potter pronto para ser lançado - a sexta parte, O Enigma do Príncipe, só chegaria às telonas em 2009 - ou surpresas de anos anteriores como Eu Sou A Lenda (US$ 585 milhões) e 300 (US$ 456 milhões), que projetou Zack Snyder para o mundo, o estúdio pôs todas suas fichas em seu cineasta autoral residente: Christopher Nolan. Em 2008, pronto para dar sequência à trajetória iniciada em Batman Begins, o realizador lançaria Batman - O Cavaleiro das Trevas, considerado por muitos como um dos melhores longas de todo o século XXI - e, evidentemente, o melhor de seu gênero em toda a história. Isso sem contar com o fato de que a nova aventura estrelada por Christian Bale como o Homem-Morcego também foi a campeã de arrecadação de 2008, com US$ 997 milhões. No ano seguinte, por ocasião de um relançamento em IMAX, o longa ultrapassaria a marca de US$ 1 bilhão arrecadado.

    Reconhecido por mesclar inúmeros gêneros cinematográficos em seus trabalhos, Nolan foi muito, muito além do óbvio em O Cavaleiro das Trevas. Equilibrando as particularidades dos filmes de super-heróis com uma carga épica digna dos grandes clássicos dos dramas criminais, o realizador criou o que os críticos chamaram de uma obra "complexa, densa e inesquecível". Trágico - particularmente pelo precoce falecimento de Heath Ledger, o Coringa essencial, após entregar uma das melhores e mais profundas performances da história da sétima arte -, O Cavaleiro das Trevas ainda não conheceu competidor à altura em termos de qualidade, profundidade psicológica, estrutura de roteiro e durabilidade de influência dentro de seu gênero. Vencedor de dois Oscar, incluindo o póstumo de Ledger, O Cavaleiro das Trevas paira sobre o gênero dos super-heróis - para "azar" do Universo Estendido da DC, que tentou em vão reproduzir a urgência impressa por Nolan - como Guerra nas Estrelas faz sua presença flutuar sobre o terreno da ficção científica.

    O UNIVERSO CINEMATOGRÁFICO MARVEL

    Após anos de quietude e de negociações nos bastidores, envolvendo acordos arriscados com instituições bancárias momentos antes da assoladora crise econômica de 2008, a Marvel decidiu entrar em ação. Confiante de que já havia observado o suficiente, prestando atenção principalmente nos flops dos anos 2000, a companhia deu seu maior passo e fechou contrato com a Paramount para que esta distribuísse a obra que viria a ser a pedra fundamental de seu Universo Cinematográfico: Homem de Ferro. Já com o visionário Kevin Feige no comando da então recém-nascida Marvel Studios, a história de origem de Tony Stark foi retirada diretamente do limbo da sétima arte. O projeto, que estava em desenvolvimento desde a década de 90 e cujos direitos passaram da Universal para a Fox e em seguida para a New Line, subsidiária da Warner, finalmente recebeu sinal verde para avançar em 2006, com a contratação do diretor Jon Favreau (Crime Desorganizado), cineasta egresso dos indies que comemorou o novo job com uma dieta que o fez perder 32 quilos.

    Apesar de inicialmente desejar um novato para protagonizar Homem de Ferro, o diretor finalmente escolheu Robert Downey Jr. para o papel principal, tanto por causa de seu talento, quanto por causa de seu passado conturbado. Após ser indicado ao Oscar de melhor ator por Chaplin e estrelar outras produções de sucesso no anos 90, Downey Jr. caiu no mundo das drogas e chegou a ser obrigado a dar entrada em uma clínica de reabilitação para dependentes químicos. Depois de enfrentar o descontentamento da Disney e bater pé quanto à sua escolha - para Favreau, Downey Jr. seria perfeito para interpretar Tony Stark exatamente porque já tinha passado por uma redenção em sua vida pessoal -, o cineasta garantiu sua estrela e embarcou na produção de Homem de Ferro em março de 2007. Contando com um herói carismático, uma fórmula narrativa em três atos praticamente à prova de falhas, o bom e (hoje velho) humor característico da Marvel e um vilão interessante, interpretado pelo aclamado Jeff Bridges, Favreau entregou, contra todas as desconfianças, um longa cuja arrecadação ultrapassou a marca de meio bilhão de dólares.

    Apoiado por inúmeras marcas internacionais, como Burger King e a montadora Audi, Homem de Ferro foi beneficiado por uma intensa campanha de marketing copatrocinada pela Marvel e pela Paramount e pelo seu inteligente product placement - o marketing interno. Eleito por parte da crítica especializada como um dos melhores filmes de 2008, Homem de Ferro gerou inúmeros produtos licenciados, refez o estrelato perdido de Downey Jr. e provou que a Marvel poderia ser uma hábil competidora ao simplesmente explorar os heróis que ainda estavam sob seus domínios. Mas, para além de todos os méritos, Homem de Ferro serviu como o cartão de visitas perfeito para um conceito inédito dentre os blockbusters: o universo compartilhado, que rapidamente eclipsaria o mais novo recorde de bilheterias batido por James Cameron

    (continua, em 07/04)

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