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    A História dos Blockbusters - Parte 1: Sobre épicos, cineastas autorais e tubarões

    A primeira parte da minissérie em seis capítulos do AdoroCinema explora os anos entre 1939 e 1975.

    A RETOMADA

    Obrigados a capitular frente à força e à impetuosidade da juventude dos novos cineastas hollywoodianos, os executivos entraram no jogo no maior estilo "se não pode vencê-los, junte-se a eles" - mesmo que isso significasse liberar mais dinheiro para que os diretores pudessem terminar suas filmagens. À época, histórias de sets conturbados, de discussões homéricas entre produtores e realizadores e de gravações que excederam o limite de dias e de orçamento começaram a aparecer por todos os lados - com Francis Ford Coppola, especialmente, protagonizando a maioria delas. Ainda assim, a Velha Hollywood precisava rever suas estratégias de distribuição e promoção, e aceitar a subversão interna.

    A melhor forma que os tradicionais produtores encontraram para abarcar a rebeldia da Nova Hollywood foi buscar apoio na inesgotável fonte da literatura, que ajudou a reerguer a indústria. Assim, realizadores como Arthur HillerWilliam Friedkin e o próprio Coppola foram contratados para levarem obras literárias para as telonas. O objetivo, além de capitalizar sobre as bilheterias, era encontrar outras fontes de renda através da comercialização multimídia. Ao mesmo tempo em que os estúdios lançavam filmes, suas empresas parcerias no ramo literário publicavam os livros nos quais os longas foram baseados. Foi na década de 1970, inclusive, que os cartazes cinematográficos começaram a empregar, em larga escala, dizeres como "Baseado no best-seller...".

    O Poderoso Chefão, por exemplo, arrecadou US$ 142 milhões, mais do que o suficiente para pagar seus altos custos de promoção e produção; alavancou as vendas da obra original de Mario Puzo; e ultrapassou o massivo A Noviça Rebelde para se tornar o mais lucrativo longa-metragem de todos os tempos. A confiança da Paramount no resultado do longa de Coppola, considerado como um dos melhores de todos os tempos por muitos críticos e grande parte do público, foi tamanha que O Poderoso Chefão II foi confirmado imediatamente. Love Story - Uma História de Amor, outra adaptação literária, foi produzido por apenas US$ 2 milhões e fez uma carreira impressionante nas bilheterias: o drama romântico estrelado por Ryan O'Neal (Barry Lyndon) e baseado no livro homônimo de Erich Segal finalizou com uma arrecadação de mais de US$ 100 milhões.

    Para além dos filmes-catástrofe que também são adaptações literárias - como Inferno na Torre (US$ 140 milhões), suas sequências e derivados -, outro hit gigantesco do período foi O Exorcista (1973), de Friedkin. O longa de terror, que gerou um ciclo de produções do mesmo gênero devido seu enorme sucesso, chegou aos seus últimos dias de exibição com US$ 116 milhões arrecadados nos Estados Unidos e no Canadá - em relançamentos futuros, o clássico ultrapassou a marca de US$ 440 milhões. Além de ter ajudado seu material original a vender entre nove e dez mil cópias, O Exorcista também ficou conhecido pelo efeito que causou em alguns de seus espectadores: segundo testemunhas, alguns membros do público chegaram a vomitar e a desmaiar por causa das impactantes cenas da obra de Friedkin.

    Assim, em 1975, os executivos finalmente voltaram a sentir o gosto da vitória como se ainda vivessem os anos 50. Ainda presos aos rebeldes cineastas da Nova Hollywood e sem encontrar um meio de se livrar dos mesmos, os produtores da indústria - neste caso, os da Universal - receberam com entusiasmo a visita de uma figura franzina e repleta de ideias em seus escritórios. Era um jovem cinéfilo judeu, de aproximadamente 30 anos, que ainda lutava para construir seu nome nos bastidores de Hollywood e estava prestes a lançar seu primeiro longa-metragem, Louca Escapada. Diferente de seus contemporâneos, no entanto, o candidato à vaga de diretor de um grande projeto do estúdio não tinha tendências subversivas incontroláveis para os executivos e era tão visualmente inovador quanto seus pares. Seu nome? Steven Spielberg.

    DAS PROFUNDEZAS DO OCEANO

    Ainda que tenham entrado em rota de colisão durante o processo, Spielberg e os produtores Richard D. Zanuck e David Brown finalmente conseguiram se entender momentos antes de Tubarão começar a ser rodado. O diretor, que tentou abandonar o cargo para assumir o comando de Os Aventureiros do Lucky Lady, foi contratualmente obrigado a trabalhar com a Universal na adaptação do romance de Peter Benchley. Relutante a princípio, Spielberg acabou se comprometendo com o projeto, após ouvir a promessa de que poderia fazer tudo o que quisesse após Tubarão, tamanha a confiança que os executivos tinham em relação à produção. E o faro dos produtores, como a história do cinema bem provou, não estava nada errado.

    Aprendendo com os acertos e, principalmente, com os erros de seus antecessores, os executivos da Universal responsáveis por Tubarão estabeleceram uma estratégia de promoção virtualmente infalível. Combinando anúncios na televisão - US$ 700 mil foram gastos somente em comerciais - à divulgação direta da novela de Benchley em rádios e programas de TV ao redor dos Estados Unidos, Zanuck e Brown investiram com força total, criando um volume nunca antes visto de produtos derivados de uma obra cinematográfica: um disco com a trilha sonora, camisetas, um livro específico sobre a filmagem do longa, toalhas de banho, cobertores, fantasias de tubarão, brinquedos de tubarão, cartazes, pijamas inspirados no filme e pistolas d'água, entre muitos outros itens exclusivos.

    O esforço trouxe um resultado imediato: nos primeiros dez dias de exibição, em mais de 400 salas ao redor do país, Tubarão arrecadou US$ 21 mil, recorde para a época. Em duas semanas, o longa quitou seu orçamento. Em menos de três meses, tornou-se a maior bilheteria doméstica da história até então e o primeiro longa a ultrapassar a marca de US$ 100 milhões arrecadados nos Estados Unidos - ou seja, sem contar com a bilheteria internacional. E em 1976, Tubarão obteve tantos lucros através dos espectadores que fez as conquistas de ...E o Vento Levou, A Noviça Rebelde e O Poderoso Chefão soarem minúsculas. Saldo total: US$ 470 milhões arrecadados ao redor do mundo e o título de primeiro blockbuster, de facto, da história.

    Ainda que Tubarão não tenha sido a primeira obra gigantesca de Hollywood, como as duas últimas páginas tentaram demonstrar, seu efeito sobre a cultura de produção da indústria dura até os dias de hoje. Para além dos lucros astronômicos e da fantástica recepção da crítica - que relê o filme de Spielberg continuamente, sempre encontrando significados políticos escondidos -, Tubarão é tão importante porque inaugurou a tendência seguida pela Disney e suas concorrentes atualmente. Como diria Joseph L. Mankiewicz (A Malvada), ainda que com um tom extremamente negativo: "A indústria nunca esteve tão desesperada para ganhar tantos dólares e tão rapidamente quanto agora. O maior estereótipo cinematográfico do momento é o filme de US$ 100 milhões que você pagará para ver para assistir ao apocalipse. E vocês do público ficarão felizes, porque será a destruição de vocês mesmos".

    Reconhece o tipo de filme descrito pelo veterano cineasta nas produções atuais? Agradeça a Tubarão - que seria vencido nas bilheterias apenas dois anos após seu lançamento. Uma aventura intergalática, recheada de conflitos políticos, guerras, lutas de sabres e um herói predestinado a salvar o universo: Guerra nas Estrelas, em A História dos Blockbusters - Parte 2.

    (continua)

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