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    A História dos Blockbusters - Parte 1: Sobre épicos, cineastas autorais e tubarões

    A primeira parte da minissérie em seis capítulos do AdoroCinema explora os anos entre 1939 e 1975.

    A quente noite do verão europeu é bruscamente interrompida pelo eco das sirenes: um bombardeio se aproxima. Às pressas, italianos, franceses, alemães e holandeses, entre outros povos do Velho Continente, deixarão tudo para trás e se esconderão em abrigos anti-aéreos. A noite, angustiante, vai se arrastar até o Sol nascer novamente para despejar as pessoas nas ruas, onde elas verão os estragos que as bombas da madrugada fizeram em suas vidas.

    Mas o que diabos essa história tem a ver com o Cinema?, pergunta o impaciente leitor. Calma: a cena descrita acima é relevante para nós. Durante a Segunda Guerra Mundial, alguns dos artefatos explosivos lançados pelas forças militares sobre diversas cidades da Europa tinham um objetivo muito claro: destruir quarteirões inteiros dos territórios inimigos. E, em inglês, uma bomba que causava tamanho impacto - um petardo de duas toneladas e dois metros de altura - carregava um nome bastante conhecido pelos fãs contemporâneos da sétima arte: block [quarteirão] buster [arrasador].

    Como é costume do lado Ocidental do planeta normalizar e incorporar a guerra e seus conceitos à cultura popular, o fim do maior conflito bélico do século XX deixou, como um de seus legados, o termo blockbuster - e nos anos 1950, um crítico de cinema da Variety utilizou o termo pela primeira vez, a respeito de Quo Vadis?, para definir um "arrasa-quarteirão" como um filme de produção gigantesca e de vasto rendimento nas bilheterias. Assim, para entender por que milhões de pessoas correm para ver o último Velozes & Furiosos, o surpreendente It - A Coisa, o bilionário Pantera Negra ou o quebrador de recordes Mulher-Maravilha, vamos viajar de volta às origens das grandes bilheterias do cinema, há oito décadas.

    A PRIMEIRA ONDA

    O ano é 1939. Os nazistas invadem a Polônia, “Aquarela do Brasil” conquista as rádios nacionais pela primeira vez e o Batman faz sua estreia nas revistas, modificando o mundo dos quadrinhos para sempre. Às portas da década de 1940, o cinema não estava disposto a ficar para trás e pretendia entrar no próximo decênio com força total. O Mágico de Oz chegava às telonas, John Ford despontava como um novo gênio com No Tempo das Diligências e o francês Jean Renoir mudava os paradigmas com seu revolucionário A Regra do Jogo. Mas o real acontecimento cinematográfico daquele ano apareceu aos 46 minutos do segundo tempo: ...E O Vento Levou.

    Lançado no dia 15 de dezembro, o clássico romance estrelado por Vivien LeighClark Gable tornou-se o evento do mês - e do ano. À época, os Estados Unidos ainda não pretendiam entrar na guerra e, portanto, o povo estava livre de preocupações. Assim, coroando um feriadão de festividades preparado pelo prefeito de Atlanta, com direito a desfiles pela cidade com a presença das estrelas do longa, o épico atraiu mais de 300 mil pessoas. Exibido originalmente até meados de 1940, ...E o Vento Levou custou US$ 4 milhões para ser produzido e quase US$ 7 milhões por causa da publicidade; no entanto, os volumosos gastos com o drama de 4h de duração - em cartaz durante 232 semanas consecutivas, ou 4 anos e meio, em Londres - deram retorno: contando com todos os relançamentos, foram quase US$ 400 milhões arrecadados ao redor do mundo; no período da estreia, projeções calculam um rendimento internacional de US$ 46 milhões. Amado pelos críticos, ganhador de 8 Oscar e êxito estrondoso com os espectadores: nascia assim o primeiro blockbuster - destronando o recordista anterior, o polêmico O Nascimento de Uma Nação.

    Para além de atingir novos patamares em termos de rendimentos financeiros, ...E o Vento Levou também foi crucial para o desenvolvimento da mentalidade de produção moderna de Hollywood em um ponto específico: a noção de espetáculo. O lendário produtor David O. Selznick, que trabalhou com diretores como Alfred HitchcockGeorge Cukor (Núpcias de Escândalo), decidiu sair com o drama coestrelado por Gable e Leigh Estados Unidos afora no estilo do roadshow, método de exibição utilizado para lançar os longas em sessões especiais e únicas por dia ao redor do mundo. Com direito a intervalos, poltronas reservadas - ingressos mais caros, portanto - e panfletos com todas as informações sobre o espetáculo, os glamurosos roadshows deixaram claro que nada era mais importante do que a atração principal.

    Após ...E o Vento Levou - e principalmente depois da recuperação econômica dos conturbados anos pós-guerra -, inúmeros blockbusters surfaram a onda do épico dirigido por Victor Fleming e arrecadaram volumosas quantias nas bilheterias globais por meio dos roadshows. Além do supracitado Quo Vadis? (US$ 21 milhões), produzido na Itália, nos estúdios da Cinecittà, a Hollywood local, outras obras de grande porte da década de 1950 - impulsionadas pelo aumento do preço dos ingressos por causa do surgimento de tecnologias como o CinemaScope e o 3-D - incluem os épicos religiosos Os Dez Mandamentos (US$ 55 milhões) e Ben-Hur (US$ 74 milhões, apenas US$ 20 milhões a menos que a arrecadação do equivocado remake de 2016), entre outros. Ambos os épicos citados no último parágrafo, dirigidos pelos lendários Cecil B. DeMille e William Wyler, respectivamente, utilizaram películas de 70mm e massivos efeitos especiais - como evidenciados na cena da abertura do Mar Vermelho e da icônica corrida de bigas - para incrementar seu caráter espetacular e atrair o público.

    A década de 50 também foi muito importante para outra companhia que será, evidentemente, analisada com maior profundidade nos capítulos futuros. Para citar apenas alguns de seus sucessos da época, a Disney arrecadou pelo menos US$ 40 milhões com Peter Pan, sua maior animação até então; mais 36 milhões com A Dama e o Vagabundo; e US$ 10 milhões adicionais com Cinderela, que teria seus rendimentos absurdamente elevados por relançamentos futuros, assim como os outros longas da companhia. Contudo, toda curva ascendente necessariamente precisa encontrar um declínio em algum momento do caminho.

    A euforia da primeira onda dos blockbusters pode ter durado até meados dos anos 1960, mas as condições gerais de produção - leia-se: o encarecimento dos projetos e dos salários das estrelas -, o caótico cenário político-social dos Estados Unidos e o surgimento de um potente e rebelde movimento cinematográfico fizeram com que a bolha estourasse. E pela primeira vez na história do sistema de estúdios, Hollywood entraria em crise.

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