O que é essa arma na sua cabeça?
Resenha do filme Chicago (2002)
por Luana Morena
O que você faria se uma injustiça, ou melhor, duas injustiças fossem cometidas diante de seus olhos
e de toda a Chicago no ano de 1924? A jornalista Maurine Dallas Watkins esteve lá e acompanhou
o julgamento das acusadas por assassinato Beulah Annan e Belva Gaertner, e, decepcionada, as viu serem absolvidas por todo o membro masculino do júri, apesar da inconsistência das versões dos crimes apresentadas por elas. Inconformada, Watkins foi para casa e escreveu uma peça. É isso mesmo, Chicago surgiu de uma denúncia baseada em fatos reais. Mas então para que as plumas, o glamour,
a beleza, a sensualidade? Bem, para criticar não é necessário estar ralhando, acusando, sendo desagradável. A ironia pode ser mais letal que uma dose
de arsênico.
Quanta diversão, lembra da festa do Oscar quando da premiação deste filme? A alegria ganhou!
Que meda... A verdade é que o tempo trás distanciamento, e poucos não encontrariam ali motivos para rir compulsivamente. Eu já o assisti para mais de vinte vezes, rindo sempre. Estou escutando a trilha neste momento. Doença?! Devoção. Poucos conseguiram ser tão satiricamente profundos ao apontar o que
a sociedade criou e oferece como sendo justiça e verdade, amparada pelas relações de poder.
As protagonistas são as assassinas Roxie Hart (Renée Zellweger) e Velma Kelly (Catherine Zeta-Jones)
e o advogado delas, Billy Flynn (Richard Gere). A inversão de papéis, com a valorização do feio, do imoral é o principal trunfo deste musical, que não apresenta nenhum mocinho ou mocinha para quem o espectador possa torcer, no auge da sua falsidade. O roteiro, que sofreu alterações desde a sua primeira versão, de 1926, estreou na Broodway como musical em 1975, já com as ótimas músicas utilizadas por Marshall em 2002, compostas pela dupla Kander e Ebb.
O resultado final foi uma história enxuta, onde as personagens manipulam o quanto podem a situação para alcançarem seus objetivos.
Dissecando mais a crítica escondida entre paetês, Chicago dispara contra a manipulação da mídia,
a corrupção de advogados, a celebração de criminosos, os julgamentos transformados em espetáculo circense, a crueldade e o egoísmo humano. O filme mostra como o mal prevaleceu e prevalece conforme
a habilidade do criminoso ou a manipulação da circunstância em uma sociedade cheia de possibilidades, frestas e interesses. E isso não é triste, não mais, pois já o sabemos há tempos e o aceitamos.
Tecnicamente falando, o filme também é impecável. Rob Marshall, Catherine Zeta-Jones, Renée Zellweger e John C. Reilly em suas melhores performances no cinema. A película conta ainda com edições muito bem feitas, onde nada sobra, tudo se encaixa para trazer de volta os anos 20 e dar o tom frenético das casas de Jazz do início do século passado. Excelentes dançarinos, ótima fotografia, no melhor estilo Cabaret, e a presença de Queen Latifah e Lucy Liu completam o elenco brilhante da obra que se tornou uma janela aberta no ano de 2002. Muito do que somos pode ser visto através desta incrível criação cinematográfica, que pinta com tintas coloridas a tão desbotada justiça humana.