Sou um contador de histórias. Não perco a oportunidade de relembrar minhas desventuras infantis e juvenis. Algo que acontece, quase sempre, de forma involuntária. Um comportamento cada vez mais constante na medida em que minha idade avança. É comum me ver compartilhando histórias e “fatos” fantásticos e mirabolantes que protagonizei ao longo de minha vida. Com um pé na realidade, ou não, cada um desses “causos” narra um pouco de quem sou. Edward Bloom, o protagonista de “Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas”, também é um contador de histórias. Talvez o maior e melhor deles. Em suas narrativas ótimas, presenciamos estranhas situações e as figuras inusitadas que ele conheceu.
O roteiro de John August, baseado no livro de Daniel Wallace, nos apresenta Will Bloom (Billy Crudup) que é recém casado com Josephine (Marion Cotillard) e prestes a se tornar pai. Ele é filho de Edward Bloom (Albert Finney) e é ressentido com o pai, uma vez que acha que não o conhece. Will considera mentiras as histórias maravilhosas dele. Sem perceber a real importância daqueles contos ele acredita não ter uma ideia clara de quem o pai realmente é. Will acha que o relacionamento conturbado deles o torna incapacitado para ter um bom relacionamento com seu filho que está prestes a nascer. Edward é um bon vivant, conhece todos e agrada a todos. Seus relatos encantam e fascinam. Ele é bom no que faz, não é uma coincidência que a primeira lembrança que o longa nos mostra é justamente um “causo de pescador”. É nessa combinação de uma história humana e um universo fantástico que vamos conhecendo Edward Bloom.
As narrativas e vivências do protagonista são experiências fantásticas. Interpretado por Ewan McGregor em sua versão jovem, Edward descreve cada fato com encanto e fascínio. Quando conhece sua futura esposa Sandra Bloom (Jessica Lange/Alisson Lohman), seu grande amor, o tempo para literalmente em uma linda sequência. Em sua vida ele se envolve com gigantes, bruxas, gêmeas siameses e bagres enormes. Edward foi uma figura grande demais para nosso mundo e para sua própria existência. Em um belo paralelo, construído pelo filme, percebemos que esse “peixe grande” não cabe em seu “aquário”. Quando se vê próximo ao fim, ele teme secar. E o que mais lhe aflige é a impossibilidade de se movimentar e continuar a viver novas histórias.
Ao longo da trama Will parece perceber que ele não deve ressentir as histórias do pai. Quando as julga como mentiras, ele deixa de lado o aspecto mais importante delas. Querer conhecer o verdadeiro Edward Bloom é ignorar que nossas memórias e percepções nos definem. Os relatos dos fatos de toda uma vida, fantasiosos ou não, nos mostram suas vontades, seus objetivos, sua forma de pensar e de ver o mundo. Sabemos como é a personalidade de Edward. As “Histórias Maravilhosas” do título não escondem como é o verdadeiro protagonista, e sim, o definem como ele realmente é.
É participando desse mundo fantasioso, cheio de viva e apaixonante que seguimos na narrativa do filme. A fotografia de Philippe Rousselot cria um universo inventivo e deslumbrante, cada sequência recebe o tratamento adequado. E são várias, terror, humor, suspense, estranhamento, romance, dentre outras. O diretor Tim Burton sabe conduzir muito bem a história por todos esses cenários. Ewan McGregor apresenta o protagonista sempre sorrindo e autoconfiante. Uma ótima escolha e caracterização. Albert Finney demonstra como o fim da vida e a impossibilidade de viver novas aventuras incomodam Edward. Alison Lohman, a versão jovem de Sandra e Jessica Lange, a versão mais madura. São pouco exploradas na obra e se resumem ao grande amor do protagonista.
Por mais egocêntrico que o protagonista de “Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas” seja, ele nunca se esqueceu de que os acontecimentos literais de sua vida pouco importam. Suas narrativas fantasiosas traduzem a realidade de uma forma bonita, cativante e interessante. As histórias são poderosas, dizem verdades e mudam as nossas vidas.