Rogai Por Nós (The Unholy)
"Rogai Por Nós" foi lançado em 2021, escrito, produzido e dirigido por Evan Spiliotopoulos (em sua estreia na direção), baseado no romance de terror de 1983, "Shrine", de James Herbert. O longa-metragem foi produzido por nada mais nada menos que o produtor da franquia "Evil Dead", Robert Tapert, e o diretor Sam Raimi, através de seu banner Ghost House Pictures.
Evan Spiliotopoulos é um roteirista, produtor e diretor greco-americano. Evan sempre atuou apenas como roteirista, desde 2002, quando assinou o roteiro de "Mogli - o Menino Lobo 2", passando por "A Pequena Sereia" (2008), "Hércules" (2014), "A Bela e a Fera"(2017) e "As Panteras" (2019). E ele é o roteirista de "O Exorcista do Papa", filme lançado no dia 06/04 e que conta com o protagonista Russell Crowe. O mais curioso é o fato de Evan nunca ter trabalhado com nada relacionado ao terror, e justamente sua estreia na direção de um longa-metragem é com uma adaptação de terror.
"Rogai Por Nós" inicia com um acontecimento no ano de 1845, e esse acontecimento reflete nos dias atuais de uma pequena cidade da Nova Inglaterra, onde temos um cotidiano normal dos moradores que visitam frequentemente a paróquia da cidade para alimentar a fé. Aquela típica cidadezinha do interior onde nada acontece e todos vivem na tranquilidade e na paz. Logo temos um decadente jornalista (Jeffrey Dean Morgan) que se depara com uma jovem, que até então era muda, e que diz ter sido visitada e abençoada pela Virgem Maria e, repentinamente, ela passa a ouvir, falar e curar pessoas que trazem até ela algum tipo de enfermidade.
O interessante é justamente a forma como Fenn (o jornalista) age em relação à todos esses fatos curiosos, onde, obviamente, ele passa a investigar o caso e vê uma oportunidade de ressuscitar a sua carreira jornalística desvendando o caso dos segredos milagrosos.
Temos aqui um filme de terror e suspense com uma premissa muito intrigante e bastante interessante, que logo de cara já nos deixa curioso acerca de todos os acontecimentos que permeia aquela cidade. O fato do enredo tratar exatamente na questão dos milagres soa como intrigante, instigante, misterioso, e justamente pelo fato de você se perguntar se os fenômenos e milagres serão mesmo obra da Virgem Maria ou de algum poder macabro, algo que possa ter uma fonte e uma ligação muito mais sombria. Toda essa premissa funciona bem inicialmente, até pelo fato da citação que o filme faz com os acontecimentos reais das aparições da Virgem Maria nas cidades de Lourdes e Fátima, locais que viraram pontos de peregrinação.
A construção do suspense baseado no mistério é bastante funcional, até pelo fato de você passar a criar inúmeras possibilidades, de não acreditar em tais acontecimentos, de criar uma barreira entre a fé e a ilusão, e aqui a semente da dúvida e da desconfiança é plantada em nossa cabeça com sucesso. E o roteiro usa aquela típica receita clássica do terror que se baseia em temática católica, com padres de fé duvidosa, personalidades infiéis, cruzes pegando fogo, além de explorar temas de êxtase religioso, histeria em massa, possessão demoníaca, cura pela fé e catolicismo.
Outro ponto interessante no filme é a forma como ele mostra a manipulação da fé, a deturpação e degradação dessa fé, algo como os falsos religiosos, falsos profetas, falsos cristãos, aquelas pessoas que se consideram cristão só pelo rótulo de certas crenças ou determinada religião (e isso é o que mais existe hoje em dia). Uma verdadeira cutucada sobre os falsos profetas em peles de cordeiros, quando na verdade são lobos raivosos.
No entanto, "Rogai Por Nós" levantou uma polêmica e gerou discursão sobre a forma representada da Virgem Maria (Mãe de Deus) no filme, pelo fato dela ter sido representada em algumas formas malignas e demoníacas. O filme faz questão em nos apresentar uma Virgem Maria com um pacto demoníaco, uma Virgem Maria que assume uma forma negra, grotesca, macabra, sombria, aterrorizante, além da sua imagem constantemente sangrar pelos olhos e ainda se desintegrar (algo como uma alusão sobre todo o poder que o demônio possa ter sobre as pessoas que nem mesmo a sua fé é capaz de protegê-la). Toda essa representação da Virgem Maria foi encarado como blasfêmia, com estereótipos anticatólicos, um anticatolicismo, uma verdadeira ofensa à Igreja Católica. Muitas pessoas se sentiram ofendidas ao assistirem o filme.
Jeffrey Dean Morgan (o eterno Negan de "The Walking Dead") tem uma atuação ok como o jornalista Gerald Fenn, nada surpreendente ou de grande relevância, porém ele vai muito bem nesses papeis, ele sabe entregar exatamente o que o roteiro precisa do seu personagem (belíssimo ator). Cricket Brown ("We Want Faces So Bad") bem mediana como Alice, tem cenas que ela até vai bem, mas tem outras que ele fica devendo, e sinceramente ela não convence em um filme de terror. Katie Aselton ("The Morning Show") como Dr. Natalie Gates, ela até consegue boas cenas, mas nada que mereça um grande destaque. William Sadler ("À Espera de um Milagre" e "Um Sonho de Liberdade") como Padre Hagan, um personagem misterioso que até surpreende em alguns pontos e algumas tomadas de decisão. Definitivamente o filme possui um bom elenco mas que foram subaproveitados.
"Rogai Por Nós" é mais um caso de um filme de terror com uma ótima premissa, com um grande potencial, principalmente por inicialmente construir um clima onde o suspense se sobressai, onde somos pegos pelo mistério, pela crença, pela fé, pela curiosidade. Porém, todo esse suspense e mistério é deixado de lado para dar espaço ao velho clichê, para forçar o susto gratuito, para tentar impressionar o espectador forçando a barra em cima dos velhos jumpscare. Ou seja, mais uma vez temos um caso de um bom material que foi mal aproveitado, mal trabalhado e mal adaptado. Porém, ainda assim o filme não é essa tragédia toda como muitas pessoas afirmaram, considero até como um terror mediano, vale a experiência pelo entretenimento, principalmente por contar com o excelente Jeffrey Dean Morgan. [23/04/2023]