"Tudo Bem No Natal Que Vem", protagonizado por Leandro Hassum, é um daqueles raros filmes natalinos que, embora envolto em uma aura de comédia leve, aborda questões profundas sobre o tempo, a vida e o peso de nossas escolhas. No cenário do cinema brasileiro, é difícil encontrar uma obra que, dentro do gênero da comédia, consiga captar o público com inteligência e sensibilidade, sem cair em meras caricaturas. Este filme, disponível na Netflix, utiliza o Natal — esse evento cíclico e inevitável — como uma metáfora do ciclo da vida, repleta de repetições e oportunidades perdidas, mas também de redenção e transformação.
Na trama, Jorge, o personagem de Leandro Hassum, é amaldiçoado a reviver apenas o dia do Natal, de forma similar à ideia central do filme "Click", de Adam Sandler. No entanto, enquanto em "Click" o personagem principal controla o tempo, aqui Jorge é completamente destituído de qualquer controle sobre sua vida, reduzido a uma existência em flashes anuais. Essa premissa oferece uma alegoria para a alienação moderna, onde as pessoas, presas na correria da vida cotidiana, frequentemente "acordam" apenas em momentos pontuais e festivos, quando se veem confrontadas com as consequências de suas ações.
O Natal, para Jorge, não é mais apenas um feriado ou uma data comemorativa, mas o reflexo de suas escolhas ao longo de um ano inteiro. Sua arrogância inicial, sua incapacidade de valorizar a família e as pessoas ao seu redor, são amplificadas pela repetição desse único dia. A narrativa filosófica que se desenvolve através de sua jornada é clara: o tempo, esse fluxo aparentemente infinito, é na verdade moldado pelas decisões individuais, e o fardo de viver essas escolhas pode ser esmagador quando não há espaço para correção ou arrependimento.
Leandro Hassum, conhecido por seu estilo de comédia peculiar, traz uma faceta mais introspectiva e melancólica à medida que a história progride. O riso, inicialmente fácil e típico de sua atuação, gradualmente dá lugar a uma reflexão mais profunda sobre o que significa realmente "viver". Ele representa o típico brasileiro, com sua capacidade de fazer piada de tudo, mas, ao mesmo tempo, simboliza a tragicomédia da existência: rir para não chorar, fazer humor diante do absurdo da vida. A atuação de Hassum aqui transcende o humor pastelão; ele consegue equilibrar leveza e profundidade, algo que poucos atores de comédia conseguem realizar com tamanha eficácia.
A metáfora central do filme, que envolve a repetição de um único dia, ressoa poeticamente com as teorias de Nietzsche sobre o "eterno retorno", onde cada ação, cada escolha, deve ser vivida como se fosse repetida infinitamente. Jorge, assim como o homem nietzschiano, é forçado a confrontar suas escolhas, a rever as consequências de suas ações, até que finalmente compreenda que a chave para sua redenção não está em escapar do ciclo, mas em mudar sua atitude perante ele.
"Tudo Bem No Natal Que Vem" oferece uma visão cômica, porém filosófica, do dilema humano de viver conscientemente e das implicações do livre-arbítrio. O Natal, nesse contexto, não é apenas uma celebração familiar, mas um símbolo de renovação, de possibilidades e de redenção, onde o protagonista deve aprender a sair do automatismo existencial e tomar as rédeas de sua própria vida. Em última instância, o filme é uma parábola sobre o tempo, sobre como cada escolha constrói o tecido de nossa existência, e sobre a inevitabilidade de enfrentarmos, cedo ou tarde, o que deixamos de fazer durante os longos intervalos entre os dias de celebração.