Os cenários de Projeto Flórida se manifestam como aspecto mais evidente, por serem tomados de cores berrantes e outdoors chamativos. Ao invés da espetacularização desses ambientes, há um sentimento de grandiosidade decadente, numa espécie de adoração à materialidade daquilo que é aprazível ao turista, acompanhada de uma supressão de qualquer aspecto que remeta ao familiar.
Sean Baker ressalta tudo isso através de um ótimo uso das lentes grande angulares. São muitos planos com os personagens quase como sendo engolidos pelos cenários, chamativos e deformados dentro da janela de imagem. É notável como os planos de Baker parecem pinturas, enquadramentos que representam o aprisionamento dos personagens dentro daquele universo. O tempo parece andar mais lentamente nos arredores do Castelo Mágico.
A mise-en-scène se concretiza de modo eficiente quando Baker consegue unir essa construção visual a uma sensível direção de atuação. O comportamento das crianças é muito bem caracterizado como um espelho dos adultos ao seu redor, sem tornar isso totalmente artificial. O trabalho de direção aqui é magistral no transitar entre o aspecto inocente dos atores mirins e a verbalização de um comportamento que é alheio a isso.
A narrativa do filme progride através de uma estrutura que remete ao episódico, como muitas cenas funcionam bem de modo isolado. Além disso, algumas transições são feitas de ações que não possuem conexão causal com os acontecimentos anteriores e seguintes. Longe de prejudicar o seu ritmo, há através disso um reforço no sentimento de desamparo na situação das personagens. Nessa irregularidade das cenas a trama se revela de modo sutil: não podemos prever o que se seguirá no filme, assim como as vidas das personagens, marginalizadas e desprendidas de qualquer raiz, não evidenciam qualquer objetivo que não seja o de sobreviver ao momento.
Como contraponto a essa narrativa que pouco progride dentro de uma lógica tradicional, a cena final possui aspectos que a diferem do restante do filme. Baker sai de uma estética mais própria do indie cinematográfico americano e encena uma sequência que parece até uma peça publicitária da Disney pelo modo como é filmada. Tal escolha possui seus riscos evidentes, podendo soar como um recurso genérico para elaborar um final sensível, mas acaba funcionando muito bem em torno dos contrastes com o restante da obra.
Até ali, o filme transmitia uma atmosfera que parecia espremer os personagens dentro dos cenários de grandiosidade decadente, na onipresença de um tom de cafonice suburbana estadunidense que se revela como totalmente entregue ao entorpecimento das atrações turísticas e seus periféricos mercadológicos. Nesse sentido, a decupagem da sequência final representa uma libertação, ainda que abertamente fantasiosa, dessas crianças.
No fim das contas, o título do filme acaba, através de sua ambiguidade, ressaltando a ideia de materialidade inebriante dos arredores. Não há projeto para a Flórida destas personagens além daquele, de concreto e aço, que recebe tal alcunha. Não há sonhos, senão os imediatos: o sorvete do dia, a calda extra, o novo quarto de aluguel.