É quase que uma ofensa assistirmos o trailer do documentário Uma Verdade Mais Inconveniente e, logo a seguir, nos depararmos com a trama incrivelmente ingênua de Tempestade – que, quase sem dúvidas, é um dos filmes a falar sobre os perigos do aquecimento global da forma mais superficial possível. Tal contraste será cada vez mais evidente à medida que vamos conhecendo uma série de personagens unidimensionais e sem nenhum traço de personalidade que os tornem seres criveis ou interessantes de se acompanhar.
Saudades do Gene Hackman em O Destino do Poseidon, Steve McQueen em Inferno na Torre ou até Jake Gyllenhall e Dennis Quaid em O Dia Depois de Amanhã – curiosamente, este último longa citado, é bem parecido com este filme, que é dirigido pelo estreante na direção, Dean Devlin – ele é o produtor de boa parte dos filmes de Rolland Emmerich, diretor por trás de vários outros exemplares do gênero catástrofe, que, ultimamente, vem decepcionando bastante – basta conferir 2012 ou No Olho do Tornado – tendo agora este Tempestade como mais um exemplar de mesmo (ou pior) nível.
Enfim, o filme tenta alavancar o que geralmente funcionava nos bons exemplares deste gênero – dramas entre vários personagens, preparação para a tragédia ou cenas onde o espectador sempre ficava curioso por vê-las apenas por estar se sentindo seguro na poltrona do cinema, enquanto personagens sofrem para se manterem vivos em meio ao desastre. Inacreditavelmente, o longa falha em todos esses pontos.
O inicio da produção é no ano de 2019, quando as condições climáticas mundiais ficam fora de controle – parte do mundo sofre com um calor enorme e outra com um frio extremo. Para acabar com isso, o governo de 17 países, liderados pelo cientista Jake Lawson (Butler), criam o Dutch Boy, um sistema de inúmeros satélites em torno do planeta que controla o clima, deixando em condições climáticas adequadas todo o planeta. Devido a vontade de alguns governantes em privatizar a invenção, Jake se manifesta contra isso e é expulso da equipe por seu próprio irmão, Max (Sturgess). Mas, após três anos, quando o clima começa a se descontrolar novamente, devido a problemas com o Dutch Boy, Jake é obrigado a retornar ao projeto – e descobrirá que muitos fatores (humanos) estão envolvidos nas tragédias que as falhas nos satélites estão causando – indicando que o mundo poderia sofrer a Geotempestade do titulo original – consistindo em várias catástrofes climáticas ao redor do mundo ao mesmo tempo.
É incrível como Devlin não consegue tornar esta trama no mínimo urgente para darmos importâncias as situações – muito pelo contrario: o diretor estreante recorre a previsibilidade, inserindo uma narrativa no inicio que, praticamente, desenha na mente de quem assisti tudo o que vem pela frente – e não se espante por pensar que a trama parece uma mistura de 2012, O Dia Depois de Amanhã e Armageddon, porque a criatividade passou bem longe daqui – a critica que o roteiro faz contra o fato de que existem políticos de oposição norte americanos cruéis (como se os que estão no poder não pudessem ser também) é tão ingênua que chega a ser risível, numa tola tentativa de mostrar alguma seriedade em sua história pouco criativa – fora ainda o patriotismo que já vimos em outras produções do diretor, que aqui, mesmo com o fato da estação reunir pessoas de diferentes etnias, sempre acaba por ressaltar que os americanos são os verdadeiros heróis.
Ainda que ruim politicamente, o roteiro poderia, ao menos, não apelar para clichês, tentando várias vezes emocionar o público. Mas vou apenas dar um exemplo de como o cineasta não sabe muito bem o que faz: acredite, Devlin, em certo ponto, para a narrativa só para acompanharmos um garoto indiano procurando seu cachorro perdido na rua durante um super furação – em cena que poderia ganhar até um framboesa de ouro de cena mais desnecessária do ano (caso existisse essa categoria de prêmio, não é?).
Tocando no assunto de cenas ao redor do mundo, é ai que chegamos ao fato de que Tempestade decepciona até em suas características técnicas – que geralmente são o ponto alto da maioria dos filmes catástrofes. Existe uma terrível falta de sincronia de direção e equipe de produção – basta repararmos na montagem absurdamente falsa da praia do Rio de Janeiro, com prédios fakes ao fundo e uma tela verde deprimente atrás dos atores – que, como era de se esperar neste filme mal feito, são caricaturas de nos brasileiros; o carro do personagem de Daniel Wu parecendo um veiculo de um jogo de videogame enquanto foge de uma erupção no meio de Hong Kong; a concepção inverossímil e pouco funcional da estação espacial – a direção de arte falha em como mostrar o funcionamento do Dutch Boy – já que parece que apenas jogando algumas bombas na atmosfera já resolve o problema do clima. Pois é, milhões de dólares gastos e nada de assistirmos efeitos criativos – eu só achei aceitável a queda de um avião congelado na capital carioca. E Só.
Quanto ao elenco, uma avalanche de atores bons passando vergonha em personagens ruins: Gerard Butler e Jim Sturgess jamais convencem de seu drama de irmãos brigados – sendo que o primeiro nunca consegue mostrar estar motivado por voltar a estação que ele mesmo ajudou a criar; Abbie Cornish, como a segurança do presidente e namorada de Max não deixa de ser inexpressiva em momento algum; Ed Harris, como um assistente do presidente, passa vergonha pela incrível incapacidade do roteiro de não soar previsível e Andy Garcia faz o presidente dos Estados Unidos mais distraído e lerdo que o cinema já viu... me deu até saudades de Harrison Ford em Força Aérea Um. Sem falar nos capangas do “misterioso” vilão do filme – parecendo versões mal feitas dos ninjas-capangas da O-Ren Ishi de Kill Bill Vol. 1 (oi?!!!). Entretanto, é bom destacar o talento da menina Talitha Bateman (de Annabelle 2), que confere alguma emoção real vivendo a filha de Jake – é dela a narração inicial e final do filme, que mesmo sem ter nenhuma função para trama, além de tentar fazer chorar, se mostra uma artista já promissora em suas expressões.
Enfim, sem saber onde mostrar sua atenção real, Tempestade não tem capacidade de ser um filme que fale com propriedade do aquecimento global e suas formas de ser combatido, e nem um bom exemplo de cinema catástrofe, prejudicado totalmente por efeitos especiais pouco elaborados – veremos muitos pixels se destruindo, ao invés de cidades, digamos assim – personagens sem motivações plausíveis para suas condutas e um roteiro tão previsível quanto o esquecimento que teremos desta produção após ser vista.