Todo mundo é inocente até que se prove o contrário. Entretanto, o benefício da dúvida não é dado a Nick Dunne (Ben Affleck) que, após ver a sua esposa Amy Dunne (Rosamund Pike, indicada ao Oscar 2015 de Melhor Atriz), desaparecer no dia do seu aniversário de casamento, se transforma no principal suspeito do suposto crime e em inimigo número um dos Estados Unidos. Execrado pela mídia; em apuros por causa das mentiras em que ele mesmo se mete; e com a polícia quase certa da sua culpa, Nick, apesar disso, mantém a sua posição de inocente e reforça o seu desejo de descobrir o que, de verdade, aconteceu com Amy.
Tentar responder a essa pergunta também é o objetivo de “Garota Exemplar”, filme dirigido por David Fincher, tendo como base o best-seller escrito por Gillian Flynn (autora também da adaptação cinematográfica). Neste sentido, em muitos momentos, o filme chega a ser irrefutável como uma grande peça sobre um casamento falido (o de Nick e de Amy), mostrando como duas pessoas passam de um relacionamento em que ambos se mostravam pessoas interessantes, bem-sucedidas e donas de um senso de humor bem particular; para um casamento em que ambos se tornaram verdadeiros estranhos um ao outro, ao ponto de se machucarem da pior maneira possível (e não estou falando da física, e sim da quebra daquele que é o eixo principal de qualquer relação: a confiança).
Entretanto, ao mesmo tempo, “Garota Exemplar” é um filme que desafia o espectador e que nos manipula direitinho rumo aos caminhos que Gillian Flynn deseja orquestrar – em meio às muitas reviravoltas que a história nos brinda. Utilizando dois pontos de vista diferentes sobre uma mesma história, a triste conclusão a que chegamos após o término da obra é a de que estamos relegados a ser prisioneiros das próprias mentiras que vivemos/contamos. O efeito dominó/cascata de uma mentira se seguindo a outra é irreversível.
Em muitas maneiras, “Garota Exemplar” é o retrato perfeito do porquê David Fincher ser um dos diretores mais brilhantes da atualidade. Ele é aquele tipo de profissional que, acertadamente, sabe colocar a história em primeiro plano, deixando que ela chame a atenção da plateia. Por isso, sua direção anticlimática é tão incompreendida. Entretanto, é justamente essa direção fria que é perfeita para fazer com que outro elemento de seu filme brilhe: a atuação de Rosamund Pike como Amy Dunne, a garota sumida e exemplar. O frio e o calculismo que ela deu à sua personagem são dignos das loiras gélidas e de neve de outro mestre do cinema, Alfred Hitchcock.