As ceroulas do Dr. Freud
Sabrina Klein
Freud está de ceroulas, de quatro, na cama. A psicanalista Sabine Spielreim tem uma cinta dobrada na mão e bate sem piedade na bunda dele. Dr. Freud geme de prazer.
Corta!
O psicanalista Jung está de quatro na cama, bunda pelada, e sua colega Sabine Spielreim está com a cinta na mão, desferindo golpes violentos nas nádegas do homem, que alcança o orgasmo pelas vias da humilhação.
Corta!
Nada de novo no front: o filme “Um método perigoso” (2011), do diretor canadense David Cronemberg, não traz os famosos médicos citados de quatro em cima da cama, gostando de apanhar. Quem pede porrada no filme é, claro, uma mulher. E que mulher! A médica judia Sabine Spielreim, uma das primeiras psicanalistas mulheres do mundo, frequentou a Universidade de Medicina, defendeu uma tese pioneira, influenciou o pensamento teórico de Freud, Jung, Piaget entre outros, foi precursora em análise de crianças, atuou em áreas como linguística, psicanálise e educação, escreveu cerca de 30 artigos científicos, casou-se, teve duas filhas, foi professora da universidade de Moscou, conferencista, médica, compositora e música.
Depois de assistir um filme que soterra a obra de uma mulher destas, vem a pergunta: como pode, em pleno século XXI, um diretor que tem em seu currículo filmes de ficção escatológicos como “A mosca” (1987), enveredar para um filme que reduz uma mulher gigante a duas camas: a cama de uma clínica psiquiátrica, onde a jovem Sabine se tratou por um breve período com o Dr. Jung, e a outra cama, onde esta mesma mulher, com nome, sobrenome, e toda vida dedicada e produção científica reconhecidamente pioneira, é mostrada de quatro, levando porradas. Aliás, pedindo porradas de seu psicanalista.
E porque o título do filme é “um método perigoso”? Seria porque no filme, um Dr. Jung magnanimamente dá a sua paciente o que ela quer, ou seja, enche a moça de pancada e ela ameaça o milionário casamento dele? Ou arriscado por que a moça superou o espancador e se tornou a segunda mulher psicoterapeuta do mundo, influenciando o próprio Dr. Freud?
Ou quem sabe o perigo deve-se ao fato de que espancadores geralmente gostam do que estão fazendo e podem virar feminicidas?
Após fazer uma rápida pesquisa sobre Sabine Spielreim, dá para concluir que o filme é mentiroso, pequeno, e finalmente, sim, um filme perigoso.
Fonte de pesquisa:
Sabine Spielreim, seu lugar na história da psicanálise e sua representação no cinema
Marcus Vinícius Neto Silva
Marina Maciel de Almeida
https://periodicos.ufmg.br/index.php/mosaico/article/view/15881/19641