Greenleaf
Série, Netflix
EUA, 2016
A novelesca e over Greenleaf é uma série conflituosa e controversa.
Seu cenário recorrente é a suntuosa e exibida Igreja Protestante Calvary, onde seus personagens erráticos, conservadores e questionáveis circulam.
O ambiente pacífico e tranquilo é só na aparência.
As questões mundanas tem peso maior que as indagações existênciais.
O ser é facultativo, o aparentar é obrigatório.
Contudo, há boas intenções nessa comunidade.
O vaidoso Bispo James é o patriarca desse núcleo religioso e familiar, que há vinte anos rompeu laços com a primogênita Grace (Gigi), quando esta descobriu um segredo abjeto, envolvendo seu tio Robert McCready e sua irmã do meio, Faith.
A Igreja, os bens materiais e a reputação da respeitada família precisou ser resguardada e com isso, um acontecimento absurdo foi jogado para debaixo do tapete e descreditado.
É essa a alegação que a determinada Grace (Gigi) defende ao retornar ao seio dos Greenleaf, reunindo provas que finalmente colocarão atrás das grades, o perverso tio Mac.
A volta de Gigi desencadeia uma série de acontecimentos relevantes, trágicos e necessários, para finalmente trazer relexão e mudanças para essa família. Congelada numa aura de harmonia e equilíbrio. Frágeis, como cristal.
Pedofilia, homosexualidade, relacionamento abusivo, racismo, suicídio são tratados levianamente.
Corrupção, traição, vícios, machismo, ambição e hipocrisia são abordados com benevolência.
Tudo porém, é exposto. E é bastante. Em se tratando dos Greenleaf: A quilometros de distância da virtude e próximos do absolutamente comum. Como qualquer um de nós.
O elenco coadjuvante também não prima pela modéstia. E isso torna a história mais curiosa e complexa.
Um dos grandes embates acontece entre Gigi e sua mãe, a arrogante e intrometida Lady Mae. Apesar de acreditar na filha e a partir da revelação da pedofilia detestar o irmão Mac por isso, Mae sente-se, de qualquer modo, ameaçada com a volta da filha favorita do marido James. Ela prefere que o filho Jacob herde o legado do pai; um pastor eloquente, fervoroso e envolvente. Gigi herdou o talento dele. O infantil Jacob, não.
Os Greenleaf são presunçosos, esnobes, frívolos e materialistas, mas, de maneira estranha, acreditam na doutrina cristã que pregam. E são devotados.
Há, ainda que discreto entre eles, amor.
As adoráveis adolescentes da trama, Sophia e Zora são o alívio dessa narrativa densa e muitas vezes, tensa. São solares, tem fé genuína e carinho pelos seus.
A histriônica Charity, a irmã cantora, dá show sempre que canta. Canto que desafina, a certa altura dos acontecimentos e causa muita dor de cabeça.
Oprah Winfrey tem papel discreto, porém crucial para o desenvolvimento da história. Ela é Mavis, irmã de Mae e persona non grata, na austera e orgulhosa família.
A matriarca Mae conduz a todos com mãos de ferro e é, sem dúvida, a grande líder dos Greenleaf. Nada escapa a visão ora cruel, ora intolerante desta mulher. Com o argumento de que a família vem em primeiro lugar, ela atropela e passa por cima, sem piedade, de tudo que possa vir ameaçar a harmonia familiar. É um proceder ambiguo, para uma serva que se diz fiel.
A única que tem um cadinho de coragem de enfrentá-la, é a inconstante Kerissa, mulher de Jacob.
O irritante Pastor Basie é o antagonista do Bispo James e sua Igreja Triumph tão soberba quanto a Calvary.
Os Greenleaf, apesar de todas as idiossincrasias que os cercam, são simpáticos e carismáticos.
Os desdobramentos dos capítulos posteriores, mexem com a vida de todos. Nem mesmo Zora e Sophia saem incólumes.
James e Mae, apesar dessas alterações significativas, continuam flertanto com o orgulho e a intransigência respectivamente, a despeito de todo o sofrimento impingido a ambos (e são muitos).
Uma outra Igreja Neopentecostal, igualmente pedante e opulenta, entra em cena e causa desgaste, confusão e necessidade de rever, novamente, as posturas. Paralelamente, um segredo do passado de Grace vem à tona.
E a temporada de aflições e infortúnios recomeça.
Após um doloroso episódio, somado a entrada de três criaturas coerentes e sensatas, em suas vidas, a família precisa fazer as pazes com a humildade, cordialidade e verdade.
Antes do fim, Greenleaf ainda ganha fôlego para nos intrigar, entreter e por que não, enternecer.
Um desfecho redentor e inevitável, digno de qualquer épico religioso, amarra com chave de ouro (bem ao gosto da família) a interessante saga.