"Por que ele não liga para mim?"
É com essa pergunta que Will Smith, em lágrimas, encerra uma das cenas dramáticas mais intensas de uma sitcom em todos os tempos. Na semana em que o ator completa 50 anos de idade, o AdoroCinema aproveita para resgatar uma atuação inesquecível do carismático artista que, antes de se tornar um campeão de bilheterias nos cinemas, encabeçou uma das séries de TV mais populares dos anos 1990.
Após iniciar sua carreira artística como rapper, Smith fez a transição para a atuação na série Um Maluco no Pedaço (1990 - 1996), que impulsionou sua carreira ao topo de Hollywood. A imensa maioria dos 148 episódios da série originalmente exibida pelo canal NBC se destaca pelo talento do ator para a comédia e por situações de descontração, humor e leveza.
Qualquer fã que tenha tido contato com a atração criada por Andy e Susan Borowitz provavelmente recorda com carinho da dança entusiasmada de Carlton Banks, do deboche do mordomo Geoffrey e das vezes em que o Tio Phill lançou o malandro Jazz para fora de sua mansão em Beverly Hills. Mas o capítulo "Papa's Got a Brand New Excuse" (ou "A Nova Desculpa do Papai", em tradução livre), o 24º da quarta temporada, impacta os fãs desde sua primeira exibição no dia 9 de maio de 1994 por suscitar emoções muito mais densas. Entre os incontáveis fãs do capítulo está LeBron James, lenda do basquete americano, que já declarou "chorar sempre" que revisita seu episódio favorito de Um Maluco no Pedaço.
Para se ter noção da resposta imensamente positiva do público para o episódio, basta checar a nota do episódio no site IMDb.com, onde "Papa's Got a Brand New Excuse" ostenta invejáveis 9,7 estrelas de 10. A avaliação é mais alta do que a concedida pelos fãs para qualquer outra série, episódio individual ou filme estrelado por Smith.
No capítulo em questão, Will reencontra seu pai, Lou Smith, interpretado por Ben Vereen. Os dois não se viam há 14 anos, desde quando Lou, um caminhoneiro, o abandonou, ainda criança, no colo de sua mãe, Vy (Vernee Watson), na Filadélfia. Naturalmente, Will reluta se engajar na aproximação, especialmente por saber que seu pai não ligou ou enviou um telegrama para ele ao longo de quase uma década e meia.
Os atuais tutores de Will, seus tios Phillip Banks (James Avery) e Vivian (Daphne Reid), são bastante céticos com a visita que Lou faz ao sobrinho na Califórnia. O episódio conta com diversas passagens nas quais o Tio Phill confronta Lou de forma severa, questionando a hombridade do "cunhado" e cobrando dele uma postura de pai.
Depois de visitar parques de diversões numa pretensa tentativa de recuperar o tempo perdido ao lado do filho, Lou promete a Will que o levará em uma viagem pelos Estados Unidos de caminhão. Will confronta Phillip e Vivian para poder partir nesta aventura, mas, mais uma vez é abandonado por seu pai, que, do alto de sua inconsequência afetiva, opta por sumir novamente da vida do filho.
O episódio, dirigido por Shelley Jensen (Friends, Hannah Montana), conta com um desfecho emocionante. Depois de romper com o pai, Smith mostra o quanto evoluiu como ator desde sua estreia na série ao explorar emoções inéditas de seu personagem. Em um desabafo de partir o coração, o jovem chora ao relembrar que seu pai nunca esteve ao seu lado quando ele precisou.
"Ele não estava lá para me ensinar a arremessar, mas eu aprendi. E acabei ficando muito bom nisso. Fui ao meu primeiro encontro sem ele. Aprendi a dirigir sem ele, a fazer a barba sem ele, aprendi a lutar sem ele. Tive 14 excelentes aniversários sem ele! Ele nunca me mandou nem mesmo um cartão postal. Que ele vá para o inferno!", explode Will, com uma impressionante intensidade.
A escritora Lisa Iannucci, autora de Will Smith: A Biography, trata da cena como um verdadeiro rito de passagem. Para ela, o grande momento serviu para atestar o talento dramático de Smith, que nas décadas seguintes estrelaria filmes de bilheterias astronômicas como Independence Day (1996), MIB: Homens de Preto (1997), Eu Sou a Lenda (2007) e Esquadrão Suicida (2016), e seria duas vezes indicado ao Oscar.
"A cena termina com um abraço entre Will e seu tio que dá vontade de chorar. O jovem adolescente que nunca tinha atuado antes tinha foi embora e, em seu lugar, estava Will, um homem crescido, com anos de experiência com atuação que conseguia mostrar emoções, lágrimas e nuances. Se Hollywood queria saber se o verdadeiro Will Smith sabia ou não atuar, tudo o que a indústria precisava fazer era assistir a essa cena."
Vale ressaltar que, antes da série ser aprovada pela NBC, o produtor executivo Benny Medina, cuja história pessoal inspirou o enredo da trama, teve de provar para a NBC que Smith era capaz de atuar. O então rapper-sensação chegou a fazer uma audição improvisada às pressas na festa de aniversário de Quincy Jones, ícone da música americana que assina a produção executiva e é o co-compositor do tema de Um Maluco no Pedaço.
Conta-se que Smith improvisou a maior parte de suas falas na cena final do episódio. De acordo com o roteiro original do capítulo, Will deveria ter ido atrás do pai, o que não acontece. O choro do ator, real, visivelmente impacta a atuação de James Avery, o que torna ainda mais forte a reação do intérprete do Tio Phill de oferecer um abraço ao colega de elenco. Ouvindo com atenção, é possível escutar pessoas chorando nos bastidores — fãs já identificaram uma das vozes chorosas como sendo a voz Karyn Parsons, intérprete de Hillary Banks.
"Foi incrível", comentou Ben Vereen em entrevista concedida em 2014, ano em que o episódio completou 20 anos de sua primeira exibição na TV. "Ele [Smith] chegou a um novo patamar. Ele se permitiu chegar lá comigo. Eu estava trazendo isso dele. Eu disse, 'nós temos que fazer isso [o sentimento de rejeição] aparecer'."
Segundo um usuário do fórum Reddit que alega supostamente ter visitado o set de Um Maluco no Pedaço na infância, Will Smith teria se isolado dos colegas antes de rodar a clássica sequência. "Ele apareceu, fez sua cena em um take e depois sumiu novamente. Você pode perceber que o boné dele cai [quando Smith e Avery se abraçam] no chão. Normalmente um diretor iria refazer a cena por causa disso, mas nada, nada teria substituído aquele momento. As pessoas choraram enquanto a cena era gravada e fizeram o maior esforço para não fazer barulho antes do diretor dizer 'corta'."
A maneira como a cena mexeu com o público chegou até a inspirar boatos de que a emoção que Will Smith mostra diante das câmeras teria algo a ver com um abandono parental sofrido na vida real. O boato não passa de um rumor. Smith teve bastante apoio de sua família ao longo de sua vida e seu pai foi fundamental ao incentivá-lo a entrar na vida artística.
Nascido e criado na Filadélfia, Will é filho de Caroline Bright, que trabalhava na área da educação, e Willard Carroll Smith Sr., um veterano da Força Aérea dos Estados Unidos. O casal se separou quando o ator tinha 13 anos de idade, mas a influência de Willard na vida do filho não desapareceu.
"Meu pai era linha dura, mas não era tirânico", contou o ator em entrevista para a revista Essence. "Ele me manteve na linha. Ele me olhava com um olhar que dizia, "Se você continuar com isso, Will, o negócio vai ficar feio'. Ele sempre foi um homem de negócios independente. Ele trabalhava com refrigeradores e sempre proveu a família. Ele é uma figura firme e positiva na minha vida."
Foi Willard quem bancou a ambição do filho de conquistar o showbusiness como MC da dulpa DJ Jazzy Jeff & the Fresh Prince. "Eu disse para os meus pais que eu queria fazer rap. 'Rap?', eles reagiram. Minha mãe se formou na faculdade e achava que esse era o único caminho. Meu pai poderia vislumbrar algo diferente. Nós concordamos que eu passaria um ano fazendo música e que, se isso não desse certo, eu iria para a faculdade. Naquele ano eu ganhei o primeiro Grammy concedido para um artista de rap."
Willard Carroll Smith Sr. morreu no dia 7 de novembro de 2016, pouco mais de seis semanas depois de ser diagnosticado com uma doença terminal.