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    A Barraca do Beijo é o retorno das comédias românticas, mas onde está a qualidade? (Opinião)

    Precisamos mesmo de um 3º filme da franquia da Netflix?

    Um dos grandes sucessos da Netflix é A Barraca do Beijo. O fenômeno da plataforma, que rendeu não uma, mas duas continuações, marcou a era do retorno das comédias românticas — há muito esquecidas, negligenciadas ou, simplesmente, não rentáveis. Mas, por mais que o amado gênero esteja de volta com força total, por que será que muitas vezes sentimos que falta qualidade e relevância?

    O primeiro A Barraca do Beijo acompanha a jornada de Elle (Joey King) no Ensino Médio e foca em seu relacionamento com o amigo Lee (Joel Courtney), enquanto ela lida com a crush pelo irmão dele, Noah (Jacob Elordi). Só que, ao mesmo tempo, o filme trata assédio como brincadeira, e aposta em relacionamentos abusivos — quando Noah, que nem é namorado da moça ainda, ameaça que ela saia com outras pessoas, e quando Lee impede que ela tenha um relacionamento com seu irmão, simplesmente por causa de uma regra que só se aplica à moça.

    Netflix

    Já A Barraca do Beijo 2 consegue aprofundar algumas questões e desenvolve mais a personagem de Elle, que ganha maturidade e não aceita qualquer coisa que lhe é imposta, além de olhar para o futuro na faculdade. O filme ainda tem falhas e elementos clichês e repetitivos, mas não chega a ser ofensivo como o anterior. Além disso, tem como adições no elenco protagonistas não-brancos e ainda dá luz a um relacionamento LGBT.

    A Barraca do Beijo 2

    Independente da qualidade dessa franquia, não se pode negar que são grandes sucessos da Netflix. O que, obviamente, faz com que a plataforma invista em mais uma continuação. Mas será que precisamos mesmo de um terceiro filme? A Barraca do Beijo 3 tem a capacidade de superar seus dois filmes anteriores? Ou será daqueles filmes guilty pleasure que são “tão ruins que são bons”?

    Qual é o papel das comédias românticas?

    Isso nos leva a uma questão mais profunda. Será que é papel das comédias românticas incitar discussões importantes? Ou simplesmente basta ser um feel good movie, que vai nos fazer sair com o coração acalentado no final? O filme deve ter elementos como representatividade e empoderamento, ou para o público tudo bem, ainda em 2020, ter cenas de mocinhas “indefesas” e submissas aos rapazes? Seriam produções que chegam a ser ofensivas e, além de não acrescentarem nada ao espectador, são um desserviço para os jovens desavisados, que tomam relacionamentos nas telas como exemplo?

    Para tentar responder a estas perguntas, vamos analisar o histórico das comédias românticas. Os filmes sempre devem ser vistos como reflexos de sua época, e não dá para negar que as produções constantemente fizeram mulheres sonharem com o relacionamento ideal, como aquele mostrado nas telas.

    No pós-Segunda Guerra Mundial, o gênero das chamadas “rom-com” fica mais sombrio e aumenta a tensão sobre papéis de gênero em filmes como A Mulher do Dia e Odeio-te Meu Amor. Já no início da década de 1950 até meados da década de 1960, os objetivos sexuais conflitantes entre homens e mulheres (sexo vs casamento) são pauta de forma mais claras e cínicas, como nas produções Os Homens Preferem as LoirasBonequinha de Luxo e Se Meu Apartamento Falasse.

    Desde então, dos anos 1960 até o meio dos anos 1980, integrando a contracultura, o gênero apresenta sexo com mais franqueza, mas sua fé em resultados felizes retrocede. Alguns exemplos de filmes são A Primeira Noite de um HomemManhattan e Noivo Neurótico, Noiva Nervosa.

    Já as décadas de 1990 e 2000 apresentaram ao público personagens mais realistas em

    relacionamentos não convencionais, nem sempre com finais felizes. O Casamento do Meu Melhor Amigo apresenta Julia Roberts em um papel onde ela não termina com o cara. Harry e Sally - Feitos um para o Outro traz uma espécie de Noivo Neurótico, Noiva Nervosa com final feliz (e que empoderam a personagem feminina), enquanto Uma Linda Mulher aposta em um amor improvável. O Diário de Bridget Jones apresenta uma anti-heroína solteira, e Simplesmente Amor mostra diferentes aspectos de amor — desde um amor adolescente, passando por um amor não correspondido, até um homem casado explorando um relacionamento com alguém que não seja sua esposa.

    Porém, dos anos 2000 para cá, as comédias românticas estão sendo redescobertas em produções independentes (como Doentes de Amor e Mesmo Se Nada Der Certo), em séries de TV (Jane the Virgin, Eu Nunca...), e em filmes de grande sucesso dos streamings (Você Nem Imagina, Para Todos os Garotos que Já Amei). Enquanto alguns longas-metragens excelentes se salvam, a grande maioria parece querer refletir o desejo do público (ao invés de trazer necessariamente personagens adequadas ao momento atual). O resultado, muitas vezes, são produções enlatadas sem respiro para ousar ou sair do padrão, como O Príncipe do NatalA Princesa e a Plebeia ou mesmo o primeiro A Barraca do Beijo. Divertidas mas que nada acrescentam, e podem chegar a abordar temas tóxicos.

    Comédias românticas apostam em empoderamento, mas queremos mais

    Ao invés de Julia Roberts e Meg Ryan nos papéis principais, temos protagonistas mais diversas como Lana Condor, Jessica WilliamsAli Wong e Vanessa Hudgens. Porém, seus interesses amorosos, em sua maioria, continuam sendo os galãs brancos, e a “fórmula de sucesso” segue sendo a música animada e estridente e estética focada nos rostos atraentes dos atores. Claro que são elementos que fazem apelo aos espectadores e tornam o gênero tão amado, mas muitas vezes, carecem de brilho ou alma. E ainda estão longe de ser o reflexo dos relacionamentos reais dos dias atuais.

    Netflix
    Qual é o melhor galã das comédias românticas da Netflix? (Enquete)

    É claro, precisamos de filmes como esses, que empoderam protagonistas femininas e minorias. Mas isso ainda é um processo em andamento. Significa que não devemos terminar um dia cansativo de trabalho vendo um filme “bobinho” que nos tira dos problemas do dia a dia como A Barraca do Beijo? Não. Eles precisam existir também, mas queremos que o padrão esteja lá em cima, com poucos abaixo, e não o contrário, com algumas poucas unidades subindo à superfície em termos de qualidade.

    Isso quer dizer que não vamos ver A Barraca do Beijo 3? Claro que não. Apesar do filme não acrescentar muito aos espectadores, certamente nos apegamos aos personagens e queremos ver o desfecho de suas jornadas. E se a produção conseguiu olhar para dentro e melhorar elementos do primeiro para o segundo, espera-se que o terceiro seja ainda mais completo.

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