Katiúscia Vianna é uma redatora do AdoroCinema que acumulou mais de duas décadas de cultura inútil e decidiu transformar isso num emprego. Nessa jornada, ela tem a missão de representar os fandoms barulhentos e/ou esnobados do Twitter, falar das séries que a crítica ignora e celebrar as '"farofas" que trazem alegria para o povo. Ou seja, os guilty pleasures! Com um ponto de vista 'singular' (ou doido, depende de quem opina), surge a coluna Kati Critica — misturando açúcar, tempero e um pouco de haterismo zoeiro.
O que é amor trágico? Romeu e Julieta é um clássico. Outros lembram de Jack (Leonardo DiCaprio) e Rose (Kate Winslet) sendo traídos por uma porta em Titanic. Por sua vez, Moulin Rouge ainda me faz chorar, mesmo já tendo visto umas dez vezes. Mas existe um outro tipo de paixão que pode partir seu coração. Aquele que te faz sofrer, depois que dedicaste sua alma durante anos... As séries de TV! E, como já dizia o ditado popular, tudo sempre pode piorar. Graças à uma moda maldita: os spin-offs.
Eu culpo a Marvel. Ao mostrar que dá para construir um universo cinematográfico legal, todo mundo quer ter seu próprio mundinho conectado agora. Antigamente, isso era, no máximo, slogan de algum comercial de servidor de internet. Ok, spin-offs existem desde sempre. Basta perguntar para os fãs obcecados de Star Trek, que tentam interligar diversos filmes e séries durante décadas. Ou pensar como Xena é derivada de Hércules, mas ninguém lembra, pois a princesa guerreira é mais legal que aquele cara de longos cabelos loiros — que fazia minha mãe suspirar na frente da TV. Porém, nada chega perto da popularidade que tais projetos ganham atualmente.
Nunca pensei que concordaria com Sheldon Cooper (Jim Parsons) na vida, mas ele estava certo, quando disse que precisava pensar arduamente, antes de começar a assistir uma nova série de TV, pois é um contrato. Tempos atrás, você sabia que poderia ficar alguns anos "preso" naquele programa. Mas nem todo mundo é um sucesso como Friends e suas 10 temporadas, então era tranquilo. Agora, é basicamente se voluntariar para um cativeiro por tempo indeterminado... Tipo a Sia na casa da Beyoncé. Spin-offs podem ser legais, expandindo o universo que tanto ama. Por outro lado, te obrigam a acompanhar várias atrações (ao mesmo tempo ou por décadas), senão você fica perdido nas storylines.
Observemos os fãs da DC, por exemplo. Quando você começou a ver Arrow, era apenas uma aventura sem compromisso, sobre um cara emburrado sem camisa, atirando umas flechas por aí. Veio The Flash, com um Grant Gustin cheio de carisma, desde que era vilão gay em Glee. Depois, surgiu Legends of Tomorrow, que ultrapassa limites de absurdo. Para completar, ainda decidiram que Supergirl era ambientada em outra Terra (!) — quando, na verdade, era apenas de outra emissora, originalmente. E todas essas histórias são conectadas, então se você não ver todas, acaba perdido nos 'crossovers', que são os melhores episódios de cada temporada. Sem falar que ninguém sabe onde Black Lightning se encaixa, até hoje.
Ou seja, uma simples série de boy magia na CW se transformou num compromisso de vida, onde você acaba pesquisando sobre quadrinhos, lendo sobre 'Flashpoint' durante meses, para tal arco durar apenas um dia em The Flash, mas mudar o sexo de um bebê em Arrow! E Barry Allen ainda volta no tempo o tempo todo (por mais repetitiva que essa frase seja). Vale lembrar que nem estou citando as séries do streaming da DC, como Titãs e Doom Patrol, que constroem um outro mundo paralelo, onde tem burros cuspindo pessoas. Juro que não estou mentindo...
E já que estamos abrindo o coração, chegou a hora de falar daquilo que inspirou tal coluna. Daquilo que está entalado na minha garganta durante meses. Em março, será encerrada a temporada inicial de Legacies, terceira série ambientada no universo de The Vampire Diaries. Agora, quero deixar bem claro que não sou contra spin-offs... A não ser que eles estraguem o amiguinho! Quem conhece a produtora Julie Plec já entendeu a situação, mas é bom explicar para os leitores fora do cativeiro da CW (que adoram julgar a gente, mas estão acompanhando dragões por sete anos, desesperados pela possibilidade de um bebê 'Jonerys' e também vão ganhar spin-offs, só que isso é assunto para outro dia).
Após quatro temporadas, TVD gerou seu primeiro spin-off, The Originals, cujo piloto eu odeio. Tendo dito isso, a série derivada sobre a família Mikaelson se tornou algo maravilhoso em minha vida. Ok, Klaus Mikaelson (Joseph Morgan) já era algo maravilhoso em minha vida, mas os fãs tinham tudo para não gostar do novo drama. Afinal, tirou personagens incríveis de uma série que já estava capenga; e encerrou as chances de diversos 'ships' com grande potencial (cof, cof, 'klaroline', cof, cof).
Ninguém esperava que TO (como é cariinhosamente chamado) ia se transformar em um drama maduro, emocionante e com reviravoltas bacanas. Pergunte para meus amigos, que receberam áudios onde surto em certos episódios, com gritos que fazem qualquer um questionar minha sanidade. Eles vão apoiar o argumento.
Enfim, Plec decidiu que a temporada final de The Originals teria outro salto no tempo. Não vou aprofundar a história (senão ficaremos aqui até 2020), porém você precisa saber que Klaus foi obrigado a passar anos longe da pessoa que ele mais ama na vida: sua filha, Hope (Summer Fontana/Danielle Rose Russell). Também não vou parar e explicar como vampiros podem ter filhos, mas garanto que é algo diferente (e com melhor CGI) que a Renesmee de Crepúsculo.
E os últimos episódios ainda contaram com o retorno de Caroline (Candice King), grande interesse amoroso do híbrido original citado acima. Depois de todo mundo ter um final feliz em TVD, você acreditaria que o mesmo irá acontecer em TO, certo? Talvez se ele não pode ficar com a filha, vão realmente retomar o 'ship' tão desejado, certo? ERRADO. Quase todo mundo presente na foto de capa deste texto morre, inclusive aquele que já mencionei ser meu personagem favorito.
Aí, você pergunta se a decisão não foi, realmente, a melhor para a história. E lhe respondo que não. Pois tal final só parece ter sido criado para livrar Hope de amarras, matando os pais da menina para que ela fique sozinha no colégio, onde é ambientado um novo spin-off para arrancar audiência do povo. Digam o que quiserem, podem até gostar de Legacies (hey, vejo novela mexicana, quem sou eu pra julgar gosto alheio?), mas The Originals não afetou o final de TVD! Julie Plec me fez voltar a acreditar no 'ship' que estava morto, separou pai e filha que se amavam, além de destruir meu coração. Tudo isso para criar uma série que tenta ser uma mistura de Buffy e Harry Potter, mas acertou em Supernatural, com monstros mais bizarros, tipo uma aranha gigante.
Sei que estou citando um universo onde almas de vampiros ficam presas em pedras, mas tudo tem limite nessa vida.
Achou desnecessária a indignação acima? Pois saiba que, algum dia, você também poderá sentir essa dor. A moda dos spin-offs está se espalhando, da mesma forma que todo mundo tinha capa de celular com arte do Romero Britto. O pessoal que acompanha as 453 séries com Chicago no nome, produzidas por Dick Wolf, sabem como funciona já. Até uma obra-prima como Friends, não conseguiu fugir da maldição com Joey. Para cada Xena, The Originals e Better Call Saul, surgem trinta spin-offs criados apenas para roubar mais tempo da sua vida e tentar manter audiência, a partir de um produto já conhecido.
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Tal moda é só um sintoma de algo cruel presente em Hollywood. Por exemplo, faça uma lista dos grandes lançamentos dos cinemas para este ano. Sabe quantos são roteiros originais, em comparação com as sequências, reboots, filmes derivados e afins? Ah, temos Nós, de Jordan Peele, e...? Dá para contar nos dedos de uma mão! A criatividade está morrendo em decorrência do lucro fácill. E não me entenda errado. Eu vejo todas as séries e os filmes de heróis que são citados aqui. Não estou a fim de abrir mão, pois gosto das minhas farofas.
A questão aqui é só expressar um desejo por mais criações realmente novas. Ou, pelo menos, se vai explorar uma marca loucamente, peço que não estraguem coisas que já existem, criando uma narrativa doida sem sentido, só para dar um pontapé inicial para outra bagaça. Cinema e TV são negócios, no final das contas, o que sempre somos lembrados quando uma série é cancelada, por exemplo. Mas roteiristas, cineastas e produtores ganham a responsabilidade criar tramas que engajam, influenciam e despertam carinho nas pessoas. E tal público é o responsável pelo seu sucesso. Então, não nos trate mal. A vida real já é um saco. A ficção não precisa ser também.
Moral da história: Somos trouxas mesmo. Nunca mais diga que vida de fã é fácil.
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