As ondas de representatividade que inundaram Hollywood nos últimos anos finalmente parecem ter chegado com força total à sétima arte brasileira. Em um período sem destaques de produções do alcance de crítica e público como os recentes Aquarius, Que Horas Ela Volta?, Bingo - O Rei das Manhãs e Como Nossos Pais, o cinema nacional foi agraciado em 2018 com a marca da diversidade.
A tendência reflete-se diretamente na lista preparada pelos críticos do AdoroCinema para eleger as 10 maiores personalidades das telonas brasileiras — e, ocasionalmente, internacionais — dos últimos 12 meses. Com uma predominância feminina (dos 12 profissionais selecionados, 8 são mulheres), a compilação deste ano também aprofunda uma curva evolutiva que já podia ser identificada nas quatro edições anteriores do presente selecionado do AdoroCinema: se em 2017 não haviam negros em posição de destaque no nosso Top 10, agora as coisas mudaram de figura, com três mulheres negras na lista.
Nota-se, por outro lado, a ausência de nomes de peso da comédia blockbuster nacional, tais como Halder Gomes, Roberto Santucci, Fábio Porchat ou Paulo Gustavo, que figuraram nas compilações dos anos anteriores. Isso se dá igualmente pelo fato de que nenhum dos títulos humorísticos lançados em 2018 equipararam-se aos êxitos retumbantes de produções como Minha Mãe é uma Peça 2 ou Até que a Sorte nos Separe 3, que levaram milhões e milhões de espectadores às salas de cinema.
Pulverizada entre filmes de diversos gêneros, as 10 grandes personalidades do cinema brasileiro vem de produções independentes e/ou marginais ao sistema. Confira a lista completa a seguir, bem como os rankings dos anos anteriores na última página:
10. Camila de Moraes
Em 2018, a jovem cineasta de 31 anos fez história: ela é apenas a segunda mulher negra com um filme lançado no circuito comercial brasileiro em toda a história do cinema nacional, após Adélia Sampaio com Amor Maldito (1984). O Caso do Homem Errado, documentário sobre um operário negro executado pelos militares no sul do país, estreou em março, em poucos cinemas, refletindo a dificuldade estrutural de exibir documentários nacionais, especialmente sobre um tema delicado como esse. “O cinema é um ambiente branco, machista, elitista, muito caro de se trabalhar”, ela afirmou ao Huffington Post, e completou: “Ter de ficar falando toda hora cansa, mas temos de falar para não ser invisíveis” (Bruno Carmelo).
9. Tatiana Lohman e Roberta Estrela D'Alva
Mídia narrativa e artística tradicionalmente elitista, a poesia vem sendo apropriada por minorias ao redor do mundo em sua luta pelo estabelecimento de sua identidade. Este é um dos muitos objetos de interesse de SLAM: Voz de Levante, documentário/road movies das diretoras Tatiana Lohman e Roberta Estrela D'Alva (também protagonista e poetisa) sobre os Poetry Slams, concursos de poemas curtos e que, frequentemente, tocam em temáticas sociais e políticas. Juntas, Lohman e Estrela D'Alva não só colocam artistas undergrounds sob os holofotes, como também reafirmam a força das mulheres como documentaristas no Brasil (Renato Furtado).
“Bixa louca, preta, favelada, estranha, ensandecida, arrombada, pervertida”, diz a canção de autoria dela. Linn se tornou uma figura marcante do cenário queer, misturando música, teatro, performance e ativismo. O ano foi marcado pela presença explosiva da artista nos cinemas: ela começou 2018 apresentando Bixa Travesty no Festival de Berlim, coroado com o Teddy Award de melhor documentário, e depois representou o filme baseado em sua vivência nos Festivais de Brasília e Mix Brasil. Embora o projeto ainda não tenha estreado no circuito comercial, Linn foi vista nos cinemas brasileiros este ano em Sequestro Relâmpago e Abrindo o Armário, sinal de que os indivíduos LGBTQI ocupam um espaço cada vez mais importante da nossa produção (BC).
7. Marco Ricca
Poucos atores e poucas atrizes sequer chegaram perto de igualar a amplitude do trabalho de Marco Ricca neste 2018, seja em termos de quantidade, seja em termos de papéis distintos entre si. Ao passo em que o ator encontra seus momentos mais interessantes nos elogiados Rasga Coração e Aos Teus Olhos, onde protagoniza narrativas complexas e bastante atuais, também é preciso lembrar que ele fez parte do elenco do internacional Sueño Florianópolis e do drama Canastra Suja. A "hiperatividade" de projetos é a maior prova da versatilidade do veterano ator das telonas e telinhas (RF).
Enquanto Marjorie Estiano também poderia ser uma forte concorrente ao prêmio de maior número de aparições consistentes e relevantes nas telonas, a atriz debuta em nossa lista por outro motivo: a coragem de deixar os papéis convencionais para trás e se arriscar nas produções indie do cinema nacional. Assim, por mais que tenha feito parte de produções como Paraíso Perdido e Todo Clichê do Amor, Estiano repaginou sua carreira em As Boas Maneiras, o premiado e aclamado terror/conto de fadas da dupla Juliana Rojas e Marco Dutra. Entregando uma das melhores performances de 2018 ao lado de Isabél Zuaa, a atriz demonstra que está mais do que disposta a explorar outras possibilidades e outros lados de seu talento, muito além do que o público cativo das novelas está acostumado a ver (RF).