A tragédia do Museu Nacional no Rio de Janeiro, que ardeu em chamas na noite do primeiro domingo de setembro desse 2018 que não acaba nunca, representa bem mais do que a perda total de um acervo de milhões de itens de valor cultural incalculável.
Basta analisar o teor dos comentários e tributos nas redes sociais e dos textos publicados pela imprensa local e internacional ao longo da semana. O inconformismo diante da desgraça anunciada há tempos se mistura à tristeza da destruição irreparável de objetos únicos que agora só existem na forma de lembranças e de cinzas espalhadas ao vento.
“Uma lobotomia da memória brasileira” foi uma das definições mais reproduzidas nas reportagens e artigos que relataram o assunto. Apesar de raramente lembrado no dia a dia do país, o Museu Nacional guardava um pedaço consistente de nossa curta história como nação, e também de outras civilizações mais antigas. Em questão de horas desapareceu o palácio imponente erguido há duzentos anos, para uma desoladora carcaça surgir em seu lugar. Dias depois, a área devastada ganhou ares de sítio arqueológico improvisado, ainda envolvido por resquícios de quentura, fumaça e poeira suspensa. Um cenário desolador que poucos filmes-catástrofe já conseguiram replicar.
O que se perdeu não tem e nem terá substituição. Os entulhos na Quinta da Boa Vista escondem cacos irreconhecíveis de peças únicas em suas importâncias histórico-culturais: Luzia, o fóssil humano mais antigo encontrado no Brasil, um pedaço de meteoro de quase 300 anos, ossadas de dinossauros, coleções de múmias e artefatos egípcios, registros sonoros de idiomas indígenas extintos, obras de arte e documentos oficiais diversos. Laboratórios e pesquisas científicas sustentadas dentro do museu evaporaram. Há a óbvia importância do edifício em si, que durante anos abrigou a Família Real Portuguesa e foi palco de momentos-chave de nossa história. Visitantes ilustres não faltaram durante os tempos áureos -- os geniais Albert Einstein e Marie Curie foram alguns deles.
Assim como a maior parte da população, nunca visitei o Museu Nacional. Não foi por falta de chance. E também como tanta gente que conheço, chorei por sua destruição e pelos motivos estúpidos que levaram a isso. Claro, houve quem criticasse toda comoção gerada, dando motivos tão absurdos quanto infelizes. A ressaca da tragédia é desagradável. O implacável dedo da culpa é apontado para todas as direções, governos, instituições, pessoas, mas nenhum lado a assume nem será devidamente punido. Apenas típico do que se espera do Brasil. Mas há lições a se aprender com isso tudo.
Desde o último domingo, jamais se falou tanto no Brasil e no mundo sobre o descaso com o Museu Nacional e a importância de seu inestimável acervo. Por que precisamos perder para dar valor? Se vale como algum consolo, a tragédia no Rio escancarou ainda mais a fragilidade de nossas estruturas -- culturais, sociais, políticas -- e a necessidade constante de tomarmos conta de nossa história, de preservarmos nossas memórias, de cuidarmos do que é público tão bem como do que é privado. Todos temos a missão de deixar um legado palpável para que as próximas gerações tenham do que se lembrar.
Porque um país sem memória esquece seu propósito de existir. Sem histórias para contar, não somos ninguém.
Pablo Miyazawa é colunista do AdoroCinema e consome cultura pop desde que nasceu, há 40 anos, de Star Wars a Atari, de Turma da Mônica a Twin Peaks. Como jornalista, editou produtos de entretenimento como Rolling Stone, IGN, Herói, EGM e Nintendo World.