O título acima entrega: eu sou fã do Tom Cruise.
Antes de os tomates voarem, vale explicar melhor: eu aprecio o Tom Cruise das telas, o artista de cinema, que há décadas faz filmes com o intuito de nos entreter. Já o Tom Cruise pessoa física, por esse é mais difícil tomar partido. Já ouvimos falar de tanta coisa esquisita, questionável (cof, cof, cientologia), que não dá para ignorar a celebridade excêntrica que ele personifica - e sobre quem todo mundo tem uma história bizarra para contar. Mas também há relatos que indicam que o Tom Cruise é um cara gente boa, de uma empatia incomum ao seu estrelato. Entre um ou outro, prefiro falar do terceiro Tom Cruise - aquele que só vejo de ano em ano na telona.
Em se tratando de Hollywood, Tom Cruise é mesmo um tipo especial de animal. Só o fato de ainda se falar tanto sobre ele, do topo de seus 56 anos, é algo a se considerar. Uma busca genérica no Google por “maiores atores” o coloca em segundo lugar no top 30, frente a nomes mais jovens como Bradley Cooper e Ryan Gosling, e a outros de idade, currículo e geração semelhantes, como Robert Downey Jr. e Tom Hanks. É verdade que Cruise raramente é lembrado por suas qualidades como ator, mas sim por sua capacidade de continuar gerando interesse em torno de seus muitos projetos - e também pela maneira insana com que se joga de cabeça neles, literalmente.
Ele é uma cria dos filmes para adolescentes dos anos 1980, mas nunca fez parte do “brat pack”. Sempre esteve destinado a ser protagonista e não mais um dos caras da turma. Em seu primeiro filme importante, Vidas Sem Rumo (Outsiders), de 35 anos atrás, foi o mais coadjuvante do grupo de sete rapazes desajustados formado por estrelas promissoras como Matt Dillon, Rob Lowe, Patrick Swayze, Ralph Macchio, Emilio Estevez e C.Thomas Howell. É o único da gangue que dá um salto mortal para trás sem motivo algum. Nem preciso dizer que Tom foi o que mais “deu certo” na vida, pelo menos em se tratando de sucesso, star appeal e longevidade.
Em sete anos, Cruise liderou alguns dos filmes mais memoráveis daquela década, com um alto nível de acerto que evidenciou seu radar infalível para escolher bons trabalhos. Além de Vidas sem Rumo, teve papéis principais em Negócio Arriscado, A Lenda, Top Gun - Ases Indomáveis, A Cor do Dinheiro, Rain Man, Nascido em Quatro de Julho e Dias de Trovão. Claro, houve tropeços pelo caminho (os horríveis Porky 3 e Cocktail), mas acontece com todo mundo. O fato é que foi rápido para Tom Cruise sair do nada e se tornar o nome mais quente de Hollywood, o cara sorridente das capas de revista, o garoto-pôster nas paredes da juventude, a maior garantia de altas bilheterias pelo mundo. Na minha infância, lembro de que ele era o único a agradar meninos e meninas ao mesmo tempo e na mesma proporção. Não houve quem chegasse perto disso.
Tom Cruise ainda encanta hoje porque é um tipo de estrela em extinção, daquelas com apelo global, sexual e icônico e que se tornam bem maiores do que os filmes que estrelam e os papéis que representam. Com trajetórias comparáveis talvez dê para citar Leonardo DiCaprio, Brad Pitt, e quem sabe, Johnny Depp - galãs carismáticos que agradam a todas culturas, gêneros e faixas etárias, cujas meras existências geram sucesso, curiosidade, fascinação. E dentre esses poucos dinossauros que ainda caminham sobre Hollywood, Cruise talvez seja o que vista o uniforme do super-astro de cinema com mais conforto e adequação.
(Abro um parêntese aqui: quem ainda pensa em Tom Cruise como um mero galã de blockbusters não se lembra dos filmes em que ele brilhou - e oportunidades não faltaram. Nenhum ator vivo ou morto trabalhou com tantos cineastas consagrados: Stanley Kubrick, Steven Spielberg, Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, Oliver Stone, Ridley Scott, Robert Redford, Paul Thomas Anderson, Ron Howard, J.J. Abrams, Brian de Palma, Cameron Crowe, John Woo, e a lista segue. Com eles e outros, teve as chances de criar personagens marcantes em gêneros variados, de Magnolia a Jerry Maguire - A Grande Virada, de Entrevista com o Vampiro a Questão de Honra, de Guerra dos Mundos a Colateral, de Nascido em Quatro de Julho a De Olhos Bem Fechados. Algum desses você já viu, e se não, deveria.)
É verdade que a última década evidenciou mais o herói de ação fantasioso do que o ator versátil, o que o afasta cada vez mais das indicações a prêmios, dos grandes diretores e personagens marcantes. Mesmo essa escolha por papéis mais físicos parece incoerente para um artista consagrado que não precisaria se esforçar tanto só para conservar um status. Mas Tom Cruise é Peter Pan e não desiste nunca de parecer jovem.
Prova disso é o improvável sucesso de Missão Impossível: Efeito Fallout, a maior estreia da carreira do astro em quase quatro décadas. O boca a boca tem gerado interesse, mas há boa razão para isso: Cruise novamente dispensou dublês nas cenas de ação mais difíceis, o que já seria notável se ele tivesse 30 anos de idade a menos. Muita gente está indo ao cinema só pelo prazer sádico de ver o que o maluco consegue fazer dessa vez. Voar baixo pilotando sozinho um helicóptero entre montanhas? Saltar de paraquedas 106 vezes para ensaiar uma cena? Fugir de moto em alta velocidade sem capacete e dar cavalos de pau pelas ruas apertadas de Paris? Quebrar o pé filmando e continuar correndo? Apesar de dividir muitas cenas com Henry Cavill, é Tom Cruise quem aqui se revela o verdadeiro Superman.
Há outro fator que torna Efeito Fallout uma experiência bizarra para o público: é impossível assistir sem pensar que, cada vez mais, o personagem Ethan Hunt e o ator/pessoa Tom Cruise se tornam o mesmo indivíduo, e isso não ocorre só porque Hunt é o papel que Cruise mais interpretou na carreira. No filme, ele passa duas horas tentando reverter as consequências de uma escolha equivocada - preservar a pele de um amigo em detrimento às vidas de milhões. Não foi a primeira vez na franquia em que ele fez isso e não será a última, porque Hunt, assim como Cruise, é um obcecado por agradar a humanidade, ainda mais se antes puder cuidar de seus entes queridos. Seja qual for a missão oferecida, ambos irão aos limites para obter o êxito, por mais que as proezas pareçam impossíveis, por mais que possivelmente se machuquem (ou percam a vida) durante o processo.
No topo do mundo pop, desconectado da realidade e destemido (enlouquecido?) como nunca, Tom Cruise tem certeza de que ainda precisa provar alguma coisa. Colocar em jogo a vida plena só para alcançar mais sucesso? Quem faz esse tipo de coisa? A verdade é que enquanto ele quiser arriscar o pescoço pela cena perfeita, nós estaremos lá assistindo, chamando ele de maluco, mas completamente fascinados.
Pablo Miyazawa é colunista do AdoroCinema e consome cultura pop desde que nasceu, há 40 anos, de Star Wars a Atari, de Turma da Mônica a Twin Peaks. Como jornalista, editou revistas de entretenimento como Rolling Stone, Herói, EGM e Nintendo World