A notícia é recente e não foi inesperada: Scarlett Johansson desistiu de fazer o papel de um homem-trans no filme Rub & Tug por conta da repercussão negativa entre grupos LGBT e nas redes sociais.
“Estou grata de que esse debate tenha dado origem a uma conversa ainda mais ampla sobre diversidade e representação nos cinemas”, a atriz se desculpou em um texto que soa tão sincero quanto envergonhado. Entre o anúncio público de que Scarlett faria o filme e sua desistência, passaram-se... apenas dez dias!
Não pude evitar relacionar esse caso a outra notícia quente, sobre o drama do time infantil de futebol que ficou preso em uma caverna na Tailândia. Enquanto a história se espalhava, muita gente brincou que um filme baseado na tragédia seria inevitável (algum gênio no Twitter sugeriu até que Scarlett Johansson interpretasse uma das crianças!). De fato, uma empresa especializada em filmes religiosos nem esperou a meninada sair do hospital para anunciar a produção de um longa inspirado na história. Logo em seguida, o diretor Jon M. Chu também se mostrou interessado em filmar a trama. (Felizmente para todos nós, a Scarlett não deverá fazer parte de nenhum elenco.)
Apesar de não terem relação direta, os dois casos refletem bem esse estado tão “veloz e furioso” do mundo do entretenimento atual. Qualquer produto, por menos importante que seja, precisa de um impulso de marketing desesperado dos estúdios, que se valem de teasers, trailers e da colaboração dos próprios artistas. Mas isso não basta. Há também a “indústria paralela” do hype, abastecida por fotos de paparazzi, rumores, spoilers, vazamentos de cenas, imagens e informações debatidas em redes sociais - esta, uma terra de ninguém onde os habitantes são impiedosos e não deixam passar nada. No caso do ex-filme de Scarlett Johansson, a revelação tão antecipada do filme e sua imediata repercussão negativa foram cruciais para que a atriz largasse o projeto antes mesmo de fazer a primeira cena.
E é aí que eu pergunto: pra quê tanta pressa, Hollywood?
Pra começar, temos informação demais à disposição e muitas são desnecessárias e deveriam ficar guardadas. Sou de um tempo não muito remoto em que só ficávamos sabendo de certos filmes importantes quando chegavam aos cinemas, ou pouco tempo antes disso. Lembro de ter ido à exibição para a imprensa de Matrix em maio de 1999, dois meses após o filme sair nos EUA, e eu nem sabia do que se tratava! Saí arrebatado da sala, como se tivesse ganho um presente surpresa. Sensações parecidas rolaram no mesmo ano, quando vi O Sexto Sentido e Clube da Luta nas noites de estreia, sem desconfiar dos grandes segredos apresentados em ambos desfechos. Hoje, tais níveis de ignorância (no bom sentido) são impossíveis de se alcançar.
Outra coisa que me incomoda atualmente é essa aparente urgência com que Hollywood precisa levar os fatos do mundo às telas na medida em que vão se desenrolando. Deve ser uma falsa sensação de minha parte, mas antes parecia que os filmes de acontecimentos “reais” retratavam fatos muito mais remotos. Apocalypse Now, Platoon e Nascido para Matar, os relatos de guerra mais famosos da minha infância, falavam sobre o conflito no Vietnã, algo que para mim parecia ter ocorrido na era pré-histórica. Já os filmes sobre dramas reais contemporâneos revelavam casos obscuros demais para sabermos antecipadamente do que se tratavam. É claro que a comunicação mais restrita da era pré-internet impedia que certas histórias corressem o mundo e se tornassem comoção global imediata, como é tão típico hoje em dia.
Lembro de ficar chocado quando soube das filmagens de A Rede Social ainda em 2009, uma época em que se conectar diariamente ao Facebook já era um hábito global tão comum como ver TV. Não seria cedo demais para assistirmos a um filme de um assunto tão recente e conhecido, cujos desdobramentos ainda aconteciam? E com os personagens envolvidos bem vivos e atuantes, prontos para contestar tudo? Também foi esse o caso do filme estrelado por Ashton Kutcher em 2013, que recriou a vida e obra de Steve Jobs, o guru da Apple falecido menos de dois anos antes. Foi no mínimo bizarro presenciar a história de uma personalidade morta a quem havíamos praticamente acabado de acompanhar em vida.
Deve ser porque sou inocente e me acostumei a relacionar Cinema com História. Sinto que é OK ver filmes sobre Lincoln, Getúlio e Churchill, figuras das quais apenas li a respeito, ou sobre acontecimentos considerados “antigos”, como o Escândalo do Watergate ou a Ditadura Militar. Mas é esquisito ver nas telas fatos contemporâneos que a mídia ainda reverbera, ainda mais em produtos que forçam a mão na ficcionalização, como é o caso da série O Mecanismo. Outro exemplo: parecia “normal” ver Tom Cruise interpretando um veterano de guerra paraplégico em Nascido em 4 de Julho, porque havia todo aquele jeitão de história antiga. E esse drama do homem que perdeu as pernas no atentado da Maratona de Boston em 2013 (que virou o filme O Que Te Faz Mais Forte, com Jake Gyllenhaal), não parece que aconteceu ontem?
Com a velocidade da informação e a intensidade com que tudo é propagado e dissecado na internet, as histórias são mastigadas exaustivamente e passam do prazo de validade muito mais rápido. Consequentemente, a indústria do entretenimento parece desesperada para não perder o bonde da História e a meada das nossas conversas de Twitter do dia-a-dia. Um futuro distópico não tão distante? Biografias de celebridades jovens e vivas, temas extraídos de best sellers de autoajuda, memes e trending topics serão assuntos cada vez mais comuns nos novos filmes e séries do mercado mainstream. Ao grande público, caberá a dura missão de não misturar as bolas e saber diferenciar os fatos da dramatização, a realidade da ficção.
Se já está difícil agora, imagine logo mais?
Pablo Miyazawa é colunista do AdoroCinema e consome cultura pop desde que nasceu, há 40 anos, de Star Wars a Atari, de Turma da Mônica a Twin Peaks. Como jornalista, editou revistas de entretenimento como Rolling Stone, Herói, EGM e Nintendo World.