No século XXI, a tradicional ideia de remake foi ligeiramente alterada. Ao invés de Hollywood ir buscar ativamente histórias nos quatro cantos do mundo para reproduzi-las de acordo com as sensibilidades do público local, agora são os países periféricos aos Estados Unidos que estão ditando o novo ritmo da tendência, exportando diretamente suas produções para inúmeros países planeta afora e criando um panorama até então inédito.
O nacional Não Se Aceitam Devoluções, com Leandro Hassum e atualmente em cartaz nas telonas, é um belo exemplo deste novo cenário: adaptação de uma película mexicana, a comédia brasileira é apenas mais um dos inúmeros longas-metragens derivados de roteiros originalmente escritos para espectadores estrangeiros. Para mapear o território, decidimos preparar uma lista que elenca algumas das produções que deram muitos e muitos frutos gringos.
UM NAMORADO PARA MINHA ESPOSA
Um Namorado Para MInha Esposa, um dos primeiros produtos a serem adaptados para múltiplos idiomas, não só reafirma a força do recente cinema argentino - que vem dominando as telonas internacionais em termos de crítica, prêmios e estrelas desde o início do século XXI -, como também demonstra que para ganhar inúmeros remakes, a obra em questão precisa ser globalmente palatável. Como apontado no artigo 10 filmes que são refilmagens e você não sabia, estas modernas narrativas que são refeitas em inúmeras línguas não precisam de muitas manutenções ou modificações narrativas para funcionarem em territórios estrangeiros. Basta alterar uma piada aqui e ali, seguir a simplicidade funcional do material original e voilà: um sucesso de bilheterias está pronto.
No caso desta comédia romântica do diretor Juan Taratuto (Roteiro de Casamento), um falido casamento prestes a desmoronar tira o sono de Tenso (Adrián Suar). Para resolver a situação e finalmente se divorciar de Tana (Valeria Bertuccelli), o protagonista decide contratar uma espécie de "amante de aluguel" para sua esposa - só que o tiro, evidentemente, sai pela culatra. Filme mais visto de 2008 na Argentina e uma das maiores bilheterias da história no país, Um Namorado Para Minha Esposa logo teve os direitos de seu roteiro vendidos para os gringos: além de Hollywood, que ainda prepara seu remake para o hit sul-americano, a Coreia do Sul (All About My Wife), a Itália (Um Namorado Para Minha Esposa), o México (Busco Novio Para Mi Mujer), o Chile (Se Busca Novio... Para Mi Mujer) e até mesmo o Brasil (Um Namorado Para Minha Mulher) embarcaram na onda dos hermanos.
CORAÇÃO DE LEÃO - O AMOR NÃO TEM TAMANHO
Outro hit que nossos eternos rivais emplacaram em escala mundial foi a igualmente bem-humorada comédia romântica Coração de Leão - O Amor Não Tem Tamanho - cujos ingredientes para a aclamação geral e global são similares, e não por acaso, evidentemente, aos de Um Namorado Para Minha Esposa: os problemas dos relacionamentos modernos - no caso de Coração de Leão, um romance entre uma mulher de estatura normal (Julieta Díaz) e um homem anão (Guillermo Francella) -, configurações românticas contemporâneas, lições morais, superação de preconceitos, aceitação própria, finais felizes e piadas divertidas, entre outros inúmeros elementos compartilhados entre as duas películas. Ou seja, ambas as comédias seguem uma cartilha narrativa baseada em contratempos românticos que as fazem ser agradáveis para plateias de quaisquer nacionalidades.
A questão é, portanto, que estas produções são bem-sucedidas o suficiente a ponto de superarem diferenças culturais; aliás, este recente intercâmbio de tramas cinematográficas e suas diversas reproduções mundo afora pode ser encarado como uma consequência direta da globalização e do verdadeiro boom da interconectividade mundial. Se agora os espectadores são globais, é preciso oferecer produtos universais - e por que não refilmar obras que já são êxitos de bilheterias em outros países? Assim, a comédia do argentino Marcos Carnevale rodou o planeta: Coração de Leão foi refilmado na França (Um Amor à Altura) - com o ganhador do Oscar Jean Dujardin no papel principal -, na Colômbia, no Peru e no México e já tem adaptações em ritmo de produção na China e aqui no Brasil.
NÃO ACEITAMOS DEVOLUÇÕES
O romance e a leveza com que são tratadas as desilusões amorosas em comédias como as duas citadas anteriormente não são os únicos conceitos universais. De fato, pelo menos duas produções encontraram um sucesso sem precedentes em seus países natais por causa de suas tendências melodramáticas. Uma delas, obviamente, vem do México, a terra das novelas: Não Aceitamos Devoluções, uma das maiores bilheterias mexicanas de todos os tempos, longa falado em espanhol mais visto nos Estados Unidos e filme que lançou a carreira do ator, diretor e roteirista Eugenio Derbez em Hollywood - desde 2013, quando lançou seu grande hit, para cá, o astro latino já protagonizou Overboard, comédia com Anna Faris, e compôs o elenco de Tempestade: Planeta em Fúria, aventura estrelada por Gerard Butler, entre outras produções estadunidenses.
Em Não Aceitamos Devoluções, projeto que levou 12 anos para sair do papel, Derbez interpreta um irreverente, imaturo e irresponsável dublê de filmes de ação que, repentina e quase acidentalmente, se vê obrigado a assumir suas responsabilidades como pai de uma adorável menina. Reconhece a trama ou já foi levado às lágrimas por ela em outros idiomas? A emocionante dramédia tornou-se um modelo exitoso replicado com exatidão por outros grandes comediantes ao redor da Terra, como o estelar e super carismático Omar Sy (Uma Família de Dois) e o nosso talentoso prata-da-casa Leandro Hassum (Não Se Aceitam Devoluções); o longa mexicano também ganhou uma versão turca e ainda há um remake hollywoodiano previsto para os próximos anos com a diretora Amanda Lipitz escalada para comandar o set. Entre risadas e lágrimas, a agridoce comédia é o produto perfeito e basicamente funciona em qualquer cultura ocidental, onde a paternidade é uma questão social e identitária fundamental.
INTOCÁVEIS
O gênio dos diretores Olivier Nakache e Eric Toledano é justamente tratar de problemáticas delicadas com bom humor e através de uma abordagem humanista extremamente acessível. Um dos principais focos dos cineastas é, sem sombra de dúvidas, as distâncias étnicas que vêm provocando um racha na orgulhosa e patriótica - e, por vezes, xenófoba - identidade cultural francesa. Foi destas tensões que nasceu o insanamente bem-sucedido, lucrativo e popular Intocáveis, filme com maior número de público em toda a história na França e uma das obras francesas mais vistas em diversos países ao redor do globo, como Alemanha, Itália e Japão.
Na trama, homem rico, empertigado e tetraplégico (François Cluzet) contrata homem de origem humilde e irreverente (o supracitado Omar Sy, astro que nasceu para encantar plateias internacionalmente) como seu cuidador. Pronto, o cenário está posto para uma verdadeira comédia de enganos para espectador nenhum colocar defeito. Mas ao invés se restringirem à comédia pastelão, os cineastas também aproveitam para fazer refletir sobre as questões étnicas e raciais no centro do roteiro. Intocáveis não é uma brilhante obra questionadora, mas é boa o suficiente a ponto de tratar de problemáticas universais com iguais medidas de seriedade e humor. No fim das contas, acaba sendo virtualmente impossível não se identificar com este hit - e é por isso mesmo que diversos países compraram os direitos para adaptá-lo.
O que nos interessa aqui em termos de remakes é como se configuram as refilmagens de Intocáveis. Para além da releitura hollywoodiana, que será protagonizada por Bryan Cranston e Kevin Hart; e da versão argentina - Inseparáveis, coestrelada por Oscar Martinez e Rodrigo de la Serna e dirigida por Carnevale, cineasta de Um Namorado Para Minha Esposa -, Bollywood, curiosamente, contará com dois filmes diferentes derivados de Intocáveis.
Enquanto apenas o hindu e o inglês são línguas oficiais, a Índia, gigantesca e plural como é, possui inúmeros outros dialetos com milhões de falantes; assim, a indústria cinematográfica nacional, a maior de todo o mundo, produz obras para cada um de seus diversos públicos - frequentemente, por exemplo, ocorre de uma película fazer tamanho sucesso em bengali que ela é refilmada em seguida em punjabi. Intocáveis, assim, terá um remake em hindu e já tem um em tâmil/telugo, Oopiri, lançada em 2016.
12 HOMENS E UMA SENTENÇA
Para fechar a conta com chave de ouro e não perder o costume, encerramos nosso breve compilado com um clássico: 12 Homens e uma Sentença, que - descontando a paródia japonesa e as versões televisivas, realizadas em países como Índia e Alemanha, além do remake estadunidense -, já foi refilmado em russo e em mandarim nas telonas. Excepcional drama de tribunal e verdadeiro soco no estômago em forma de longa-metragem, a primeira obra-prima de Sidney Lumet - seu filme de estreia nas telonas, aliás - é a base perfeita para analisar mazelas sociais e, principalmente, os nocivos efeitos causados pelo racismo e pelo preconceito contra etnias minoritárias - no caso do original, estrelado por Henry Fonda como o único jurado que genuinamente se interesse pela justiça e pela verdade, um jovem latino é acusado de assassinato e vê sua vida ficar à mercê das deliberações de um júri majoritariamente tendencioso.
No território da antiga União Soviética, a narrativa do roteirista Reginald Rose foi adaptada pelo premiado cineasta Nikita Mikhalkov (O Sol Enganador): 12 traz um rapaz checheno - o conflito étnico e bélico entre a Rússia e a Chechênia, que deseja se tornar independente da federação comandada por Vladimir Putin, teve início no século XVIII e permanece até hoje - como principal acusado; a grande diferença, no entanto, é que Mikhalkov não se limita à sala do júri como Lumet, explorando também as memórias de infância do réu e outras cenas exteriores. Já na China, 12 Homens e uma Sentença virou 12 Citizens e o debate do júri é transformado em um experimento jurídico onde uma dúzia de cidadãos - como bem aponta o título - é selecionada para interpretar os papéis de jurados em um caso de assassinato. As alterações na narrativa foram realizadas para suavizar a trama e adequá-la às sensibilidades do público chinês - leia-se: para que 12 Citizens fosse aprovado pela censura -; de uma forma ou de outra, com julgamento real ou não, os debates sociais e culturais estão presentes no DNA deste remake.