Quando foi lançado o trailer do aguardado O Estranho que Nós Amamos, de Sofia Coppola, alguns cinéfilos que tinham assistido ao original ficaram surpresos: além da ambientação e da introdução à história, o vídeo mostra cenas importantes do desfecho, com revelações surpreendentes da trama. Será que, na nova versão, aqueles fatos teriam uma importância menor? Não. Eram spoilers mesmo.
O belo drama brasileiro Como Nossos Pais chocou ao revelar, no trailer, um conflito secreto da personagem principal. O vídeo promocional de O Quarto de Jack resume a história inteira, com destaque para a importante conclusão. Malasartes e o Duelo Com a Morte trouxe tantos vídeos, entre trailers, cenas e making of, que deixou a impressão de ter revelado conteúdo demais.
Algo curioso ocorreu com Star Wars - Os Últimos Jedi: após pedidos dos fãs para não revelarem muitas informações nos vídeos, o diretor Rian Johnson defendeu a escolha do público de se afastar do material promocional. A intenção é justamente evitar o caso de Batman vs Superman - A Origem da Justiça e a franquia Espetacular Homem-Aranha, criticados por divulgarem trailers em excesso. No caso da última, um fã decidiu montar todas as cenas divulgadas num único vídeo, chegando a 15 minutos de cenas.
Por que mostrar tanto?
Os distribuidores não estão cientes de que podem prejudicar a experiência do espectador ao revelar tantas imagens? É claro que sim. Mas vamos por partes. Primeiro, o trailer não foi feito para quem já está dentro da sala de cinema, e sim para levar o espectador até a sala escura. Quando o ingresso está comprado, o trailer, como ferramenta comercial, cumpriu a sua função.
Segundo, a competição está cada vez mais acirrada entre os filmes em cartaz. A intenção dos distribuidores é garantir que o espectador vai gostar do resultado. Por isso, nada de apenas sugerir, ou deixar informações fundamentais de fora: se o público ficar descontente com a sessão, o boca a boca pode derrubar a trajetória comercial do projeto. Por isso, tantas revelações garantem ao espectador que ele vai encontrar exatamente o que espera. Isso estraga um pouco da surpresa, mas diminui a chance de frustração.
Terceiro, a situação econômica tem transformado os hábitos do espectador. Antes, era cada vez mais comum uma pessoa (ou casal, ou família) ir ao cinema e decidir, na hora, qual filme ia ver - de acordo com o horário, o cartaz mais atraente, o humor do dia. Agora, com os preços altíssimos do ingresso e de custos anexos - o estacionamento, o jantar, a pipoca - as apostas são feitas em filmes seguros. O público não se desloca para "ver um cineminha", e sim para ver um título específico. Com menos riscos, é mais difícil ter descobertas. Por isso, também, produções independentes revelam tantos spoilers de suas tramas quanto os blockbusters.
Os trailers mudaram?
Na verdade, não são só os trailers que mudaram: a nossa relação com produtos audiovisuais se transformou completamente. Facebook, Instagram, Snapchat e principalmente YouTube transformaram a duração dos vídeos, a edição, a velocidade, o tom. Hoje, youtubers chegam a cortar dos vídeos a respiração entre palavras, para não perder a atenção do espectador que pode facilmente clicar em outro vídeo mais interessante caso fique entediado.
O mesmo vale para os trailers: tem se tornado comum a prática do trailer-dentro-do-trailer, ou seja, cerca de cinco segundos de imagens bombásticas antes de o trailer começar, para o espectador ter a garantia de que vale a pena acompanhar o vídeo até o fim. A lógica é entregar algo mastigado ao público que não tem tempo - ou paciência, ou vontade - de investir em dois minutos de sua atenção.
Os criadores de conteúdo visual se adequaram à demanda: apresentadores de talk show americanos agora fragmentam seus vídeos de dez minutos em três trechos de pouco mais de três minutos cada, colocando no título exatamente o que a pessoa vai ver lá dentro ("Daniel Craig confirma que será o novo James Bond", por exemplo). O clickbait predomina: imagens gritantes, explosivas ou sexuais ganham mais atenção.
O trailer, assim como o próprio cinema, vai se transformando. Os vídeos estão mais curtos, mais espetaculares e mais padronizados. As fórmulas de sucesso são usadas à exaustão, até o limite da paródia: poucos dias depois de o humorista John Oliver lançar o trailer do falso filme Harding (abaixo, a partir de 4'30''), sobre o presidente americano, foi divulgado o trailer real de O Destino de uma Nação, biografia real de Winston Churchill, de tom semelhante.
A situação vai piorar?
É difícil saber. Ainda existem produções ousadas, apostando em trailers atmosféricos, que sugerem e incitam a imaginação mais do que entregam informações importantes: caso de Ao Cair da Noite ou Glory, por exemplo. Algumas distribuidoras diminuem a importância de trailers convencionais e partem para pílulas, vídeos engraçados e pegadinhas, a exemplo do marketing de Annabelle 2 - A Criação do Mal e O Chamado 3.
Outros filmes reinventam suas promoções: a divulgação de Corpo Elétrico nos cinemas trazia uma série de entrevistas com a equipe e personalidades do cinema, mas poucas imagens da própria trama. O fato é que os trailers tradicionais, responsáveis por despertar o interesse e plantar na cabeça do espectador um título específico, não produzem o mesmo resultado. É preciso mexer com os sentidos, chocar, garantir que o dinheirinho suado vai produzir uma boa experiência na sala escura.
Isso poderia significar uma onda de trailers criativos e subversivos. Mas para evitar o risco comercial da empreitada, a solução é apostar em mais do mesmo. Então aparecem os filmes de terror que entregam 50% dos sustos, teasers de super-heróis com todas as explosões e cenas de ação condensadas, produções independentes que liberam uns dez vídeos diferentes que, combinados, compõem a história completa, e comédias com as melhores piadas reveladas nos teasers.
As leis do mercado
A ironia de tudo isso é que, ao revelar demais, o trailer pode deixar o resultado menos interessante para quem vai ao cinema. O ingresso já foi comprado, mas o espectador, frustrado, pode deixar de comprar o ingresso seguinte, e preferir apostar numa sessão em casa, vendo filmes de plataformas digitais. Mas em tempo de economia apertada, produções caríssimas e obrigações de lucro cada vez maiores, não se pensa no mercado a longo prazo.
A intenção é que o público consuma, o quanto antes, se possível na primeira semana - até porque, com a concorrência, não está garantida a permanência em salas durante muito tempo. Depois, nos próximos filmes, pensa-se na melhor estratégia para levar os espectadores aos cinemas.
Enquanto isso, o espectador que assiste ao trailer do ótimo O Estranho que Nós Amamos descobre, em dois minutos, algo que o filme faz questão de esconder durante 80 minutos.