Em francês, o termo “papicha” se refere às jovens de Argélia. A diretora Mounia Meddour escolheu essa palavra como título de seu primeiro longa-metragem, de 2019, que retrata a busca pela liberdade de várias heroínas, incluindo Nedjma (Lyna Khoudri) em um contexto político muito específico: a década negra.
Entre 1991 e 2002, acredita-se que a guerra civil argelina, que opôs grupos islâmicos ao governo militar, tenha ceifado mais de 150 mil vidas. Com esse projeto, a cineasta franco-argelina está reacendendo feridas que ainda não cicatrizaram, não para despertar a dor de um país, mas para cumprir um dever de memória para uma nova geração.
Mounia Meddour conhece muito bem essa época. “Estudei em uma universidade de jornalismo e morei em uma residência semelhante à descrita no filme”, conta ela ao AlloCiné, site parceiro do AdoroCinema. “Dividíamos um quarto com quatro ou cinco meninas e, acima de tudo, compartilhávamos esperanças diárias, felicidade, humor, ajuda mútua, colaboração, um modo de vida gentil, mas também preocupações, porque a opressão existia”, continua.
Essa opressão é o que impede Nedjma de viver sua vida como deseja. Ao perseguir sua paixão - a moda - ela está colocando sua segurança em risco. Nedjma está prestes a descobrir da maneira mais difícil: agir, lutar e resistir tem um preço.
Não há dúvida de que Papicha é uma fábula política. Na França, onde estreou, vendeu mais de 250 mil ingressos nos cinemas e, sobretudo, ganhou dois Césars (o prêmio mais importante do cinema francês): o de Melhor Filme de Estreia e o de Melhor Atriz para Lyna Khoudri – que, graças a este papel, foi revelada ao grande público.
O único problema foi o fato de Papicha ter sido proibido na Argélia. Poucos dias antes do lançamento nacional, a equipe do filme soube que ele havia sido cancelado “sem explicação”. No entanto, Papicha havia sido selecionado pelo comitê argelino para representar o país na corrida pelo Oscar em 2020. Sem um lançamento, a participação na cerimônia de Hollywood tornou-se impossível.
No passado, outros filmes que documentavam a década negra também tiveram seu lançamento negado. Apesar disso, Papicha conseguiu entrar ilegalmente nas casas dos argelinos, como Mounia Meddour explicou durante sua participação no programa de TV francês C à vous em 14 de março de 2023:
“Todos os filmes existem na Argélia graças à perspicácia dos jovens que encontram subterfúgios. É a frustração que cria soluções, e esse é um filme que pertence a eles, um filme que devem recuperar.”
No Brasil, o filme está disponível na MUBI.
O segundo filme de Mounia Meddour, Dançando no Silêncio (2022), aborda a Argélia contemporânea e a espinhosa questão dos terroristas perdoados da década negra. Mais uma vez, o longa-metragem teve seu lançamento proibido no país.