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    Um serial killer na Disney? Hitchcock queria filmar no parque, mas Walt Disney matou o projeto
    Lucas Leone
    Lucas Leone
    -Redator | Crítico
    Lucas só continua nesta dimensão porque Hogwarts ainda não aceita alunos brasileiros. Ele até tentou ir para Westeros ou o Condado, mas perdeu a hora do Expresso do Oriente. Hoje, pode ser visto escrevendo no Central Perk mais próximo.

    Quando o dono do estúdio de animação descobriu os planos do diretor de Psicose, teria ficado histérico.

    Alfred Hitchcock dispensa muitas apresentações. Afinal, o diretor de Janela Indiscreta, Um Corpo que Cai e Os Pássaros é provavelmente um dos mais consagrados da história do cinema e um dos mais estudados no ambiente acadêmico. Um profissional cuja influência se estende até os dias de hoje.

    Após o lançamento de Intriga Internacional (1959), Hitchcock entregou em 1960 um dos filmes de terror mais perversos, aterrorizantes e totalmente cativantes de todos os tempos; seu único filme de terror rodado em preto e branco: Psicose.

    Originalmente encomendado para a TV e com baixo orçamento, o longa se tornou o mais lucrativo da carreira do cineasta, com quase US$ 50 milhões nas bilheterias mundo afora. A performance de Anthony Perkins como Norman Bates paralisou tanto os espectadores quanto os críticos.

    O sucesso foi suficiente para que Hitchcock amadurecesse seu próximo projeto, que ele também desejava que fosse radical e, de certo modo, vanguardista. Um thriller chamado The Blind Man, que teria cenas filmadas na Disneylândia, na Califórnia.

    PIANISTA CEGO PROCURA UM NOVO PAR DE OLHOS

    Alfred Hitchcock lendo o livro de Robert Bloch que inspirou seu clássico de 1960. Rex
    Alfred Hitchcock lendo o livro de Robert Bloch que inspirou seu clássico de 1960.

    Em 1960, Hitchcock começou a escrever o roteiro com a ajuda de Ernest Lehman, que acabara de triunfar com Intriga Internacional e que viria a assinar, em 1976, outra obra sua: Trama Macabra.

    The Blind Man seria diferente de tudo o que o mestre do suspense havia feito. A história seria a de um pianista de jazz cego, chamado Jimmy Shearing, que recupera a visão graças a um perigoso transplante duplo de córnea. Mas, pouco depois, Jimmy descobre que seu doador foi assassinado e que o assassino ainda está à solta.

    Na verdade, Jimmy consegue ver a imagem desse criminoso pelos olhos da vítima. De forma estranha, as retinas de seu doador a teriam "memorizado" e "registrado". Diante disso, ele embarca em uma jornada por vingança.

    O roteiro incluía um momento importante em que Jimmy e sua família viajam para a Disneylândia. Enquanto curte as atrações do parque, vagando pela Frontierland – área com temática faroeste –, Jimmy sofre uma espécie de transtorno de estresse pós-traumático experimentado através do olho de seu doador. Neste caso, o evento traumático é o assassinato.

    É aí que ele percebe que conheceu seu assassino na Disneylândia. Em seguida, Jimmy deveria perseguir o assassino pelo parque, inclusive passando pela Fantasyland, antes de levá-lo para fora. O filme terminaria a bordo de um famoso cruzeiro, o RMS Queen Mary. O assassino acabaria sendo preso, mas Jimmy receberia, em um confronto final, um jato de ácido que o tornaria cego novamente.

    Uma trama tão estranha quanto fascinante. E quem foi o escolhido para o papel de Jimmy? Hitchcock, é claro, o ofereceu ao galã James Stewart, com quem já havia colaborado quatro vezes antes, entre elas Um Corpo que Cai e Janela Indiscreta. Infelizmente, o astro de Hollywood foi forçado a recusar o convite devido a outros compromissos.

    WALT DISNEY HORRORIZADO

    Walt Disney em 1964, dois anos antes de morrer em decorrência de um câncer de pulmão. Lawrence Schiller/Polaris Communications Inc
    Walt Disney em 1964, dois anos antes de morrer em decorrência de um câncer de pulmão.

    Quando Walt Disney descobriu nos jornais a ideia de Hitchcock de rodar em seu parque de diversões, teria ficado histérico. É que o criador de Branca de Neve e os Sete Anões ficou horrorizado com Psicose e sua agora lendária cena de assassinato no chuveiro. Estava fora de questão deixar o homem responsável por isso usar a Disneylândia como cenário.

    Com a proibição de Walt, Ernest Lehman teve que retrabalhar o roteiro, deslocando toda a história para dentro do navio. Mas ele perdeu todo o desejo de continuar nessa empreitada e terminou por desistir. Quanto a Hitchcock, não via mais como estabelecer uma conexão entre seu personagem principal e o assassino em tal ambientação.

    Ironicamente, se o filme foi morto por Walt Disney, o projeto foi revivido 50 anos depois, em uma adaptação para rádio da BBC. O roteiro foi, assim, finalizado por Mark Gatiss, bastante conhecido pelos fãs de Doctor Who e Sherlock. É Hugh Laurie quem empresta sua voz ao protagonista Jimmy.

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