Um filme pode salvar sua vida? Enquanto alguns ainda estão considerando a questão, Park Yeon-mi já tem a resposta: sim, mil vezes sim. Depois de ter fugido de seu país, a Coreia do Norte, em 2007, aos 13 anos, ela revelou ao jornal The Guardian em 2014 detalhes sobre a dura realidade da ditadura Kim. Um testemunho aterrorizante.
Alimentada clandestinamente com produções estrangeiras, como uma rara e salutar janela para o mundo, um título, em particular, foi decisivo para levá-la a deixar sua terra natal: Titanic, de James Cameron.
O começo de sua história é arrepiante. Com apenas 9 anos, ela foi forçada com toda a escola a assistir à execução da mãe de um de seus colegas de classe. A multidão se reuniu em um estádio para isso. A razão? A vítima teve a infelicidade de emprestar um filme sul-coreano a um amigo... Foi denunciada e acabou baleada.
No país mais fechado do planeta, em que a autarquia econômica está prevista na constituição e é amplamente apoiada pela propaganda, o mercado clandestino está consideravelmente desenvolvido. Em um país que carece de quase tudo, esse mercado é de vital importância.
A Coreia do Norte é, assim, inundada com produtos legais ou ilegais da China, como aparelhos de DVD. As cópias piratas de filmes que são passadas sob o casaco fazem parte da florescente economia subterrânea. Eles são até objeto de troca: de acordo com Park Yeon-mi, um DVD pode valer quase 2 kg de arroz.
O suficiente para ajudar uma família assombrada pela fome que se abateu sobre a nação em meados da década de 1990 e matou até 1 milhão de pessoas. "Todo mundo estava com fome, então não podíamos comprar muitos DVDs. Se eu tivesse Branca de Neve e meu amigo tivesse James Bond, trocaríamos", lembrou ela.
Mas ai de quem for flagrado com um filme não aprovado pelo regime. Ela também contou que há sentenças diferentes dependendo da origem da obra: "Se você fosse pego com um filme de Bollywood ou russo, você era preso por três anos. Mas, se fosse sul-coreano ou americano, você era executado."
Apesar dos riscos de ser exposta, ela não queria deixar de ver esses filmes pois representavam uma abertura para o mundo. "Meus favoritos eram Titanic, James Bond e Uma Linda Mulher. As pessoas recebiam cópias piratas da China", relatou Park Yeon-mi.
Ao The Guardian, ela explicou o impacto que o cinema hollywoodiano teve sobre ela. "Na Coreia do Norte, tudo gira em torno do líder supremo; todos os livros, a música ou a televisão. O que me chateou com o Titanic foi que aquele homem [Leonardo DiCaprio] estava dando a vida por aquela mulher, e não por seu país."
"Eu não conseguia entender esse estado de espírito. Na cultura norte-coreana, o amor é uma coisa vergonhosa, e ninguém falava sobre isso em público. O regime não se interessava pelos desejos humanos, e o romance era proibido."
"A outra coisa chocante sobre este filme é que se passa mais de 100 anos atrás. Percebi que nosso país está no século 21 e ainda não atingimos esse nível de desenvolvimento. Entendi que algo estava errado. Todas as pessoas, independentemente de cor, cultura ou idioma, pareciam se importar com o amor, exceto nós. Por que o regime não nos permitia expressá-lo?"
Hoje com 30 anos, casada e mãe de um menino, Park Yeon-mi mora nos Estados Unidos. Tornou-se jornalista e conferencista. Mas também uma ardente ativista pela causa dos refugiados norte-coreanos.