No início de 2019, o mundo presenciou a chegada do que muitos dizem ser “o melhor filme do Homem-Aranha de todos os tempos”. Concordando ou não, é irrefutável que Homem-Aranha no Aranhaverso é um marco na indústria cinematográfica por fugir do tradicional, dos estilos já conhecidos pelas mãos da Pixar e Disney, por exemplo, e mostrar inovação refinada. Trata-se de um filme relevante por diversos aspectos, e um deles é a sua proposta de ruptura.
Vencedor do Oscar de Melhor Animação, o projeto não apenas deixou sorrisos na sala escura por uma aventura cativante, mas também simbolizou uma mudança em dois estigmas: na representatividade do Cabeça de Teia, agora um adolescente negro de origem hispânica, e a mudança na forma como novos filmes animados seriam conduzidos a partir dali.
Mergulho no Aranhaverso
O estilo visto no longa é fruto de inúmeras técnicas e recursos. Nem todos inovadores, mas pela primeira vez sob uma nova roupagem, como parte de um único produto. Isso vai da forma da diagramação em que os ângulos da aventura são expostos à estética que varia de acordo com o personagem, com elementos pop art, traços de animes, aspectos retirados de cartoons dos anos 1940, entre outros.
Para começar, é preciso reforçar que a Sony Pictures Animation recrutou um time que chegou a ter 177 animadores na equipe, mais do que o dobro para uma animação comum. Para criar o visual visto nas telonas, os produtores fugiram do fotorrealismo visto em outras animações ou até de outras mídias que trabalham com o estilo, como os videogames, por exemplo.
No longa estrelado por Miles Morales há uma aposta experimental que deixa o universo dos quadrinhos vivo e animado. Diferente de outros projetos que flertaram aos montes com este universo das HQs, o filme vai além, pois é possível não apenas ter o mesmo impacto visual do formato, como há diversos recursos linguísticos que relembram durante toda a trama que tudo ali saiu das páginas coloridas de um gibi.
Aranhaverso 2: Diretores comparam animação com Star Wars e garantem "um bom gancho" para sequênciaOutro aspecto que chama atenção é o uso do frame rate no longa. Normalmente são usados 24FPS (frames per second / quadros por segundo) em animações tradicionais. A quantia tornou-se padrão na indústria por estar vinculada ao número de imagens que o olho humano consegue processar por segundo, que é, normalmente, de 10 a 12. Acima disso, cria-se movimento na tela.
O recurso On One's demonstra que cada frame é diferente, ou seja, em um segundo serão apresentados 24 quadros distintos. No filme produzido por Phil Lord e Chris Miller, os animadores também decidiram utilizar outra vertente deste recurso, o On Two's, que deixa cada imagem aparecer duas vezes em sequência. Nele, a movimentação parece mais cadenciada em determinados trechos. Com a aceleração correta, também nota-se que é possível enxergar melhor o que acontece em cada ação - mesmo que seja durante uma batalha caótica.
"No filme padrão, você filma 24 quadros por segundo. Na antiga animação tradicional desenhada à mão, você faria 12 desenhos por segundo. [Em Aranhaverso] Todos os outros quadros foram repetidos para dar uma certa nitidez ao movimento", disse Bob Persichetti em entrevista ao The Verge.
Ele continua: "Em um nível básico, animamos todo o filme com dois quadros [repetidos], o que o torna mais nítido e quase 'crocante', e realmente nítido. Essa foi uma tentativa de chegar a um lugar que parecia ter painéis de quadrinhos, onde você realmente causa impacto com uma imagem e isso queima sua psique. Você fica tipo, 'Uau, essa é a versão mais poderosa dessa imagem que eu consegui.'"
Já para representar os diferentes tipos de universos dos quais os personagens vinham, alinhado sempre à movimentação, os desenvolvedores utilizaram um efeito chamado motion smearing, técnica usada em antigos desenhos para criar a sensação de movimento. A ilusão se dá através da extensão do que está envolvido na ação, com adição de movimentos rápidos.
Referências
A sobreposição entre o 2D e o 3D também é um recurso extremamente utilizado em Aranhaverso. É através dele, inclusive, que as semelhanças com Gato de Botas 2: O Último Desejo, A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas e Wish: O Poder dos Desejos começam. Essa escolha privilegia, principalmente, a profundidade de campo e, dependendo do enquadramento, adiciona um diferente frescor ao que é visto.
Para falar sobre o spin-off de Shrek, pode-se fazer uma pausa para ressaltar outra animação que merece sua atenção: Os Caras Malvados. Assim como a animação felina, o longa da Universal Pictures utiliza um estilo de animação estilizado em 2.5D. Nela, personagens, planos de fundo e tudo o que estiver no cenário é sombreado com um brilho bidimensional. As bordas são diminuídas e suavizadas a ponto de destacar o estilo e o que está na frente das “câmeras” - deixando o fundo descolado do restante, aumentando assim a profundidade.
A diferença entre Gato de Botas 2 e o filme de Miles está no mundo que se constrói: enquanto o jovem do Brooklin vive sob uma estética de quadrinhos, o outro está em um universo de conto de fadas, sob um visual aquarela.
O diretor do longa da DreamWorks, Joel Crawford, detalhou as influências de Aranhaverso na indústria. “Eu acho que Homem-Aranha: No Aranhaverso abriu a cabeça da indústria de animação mainstream, fazendo ela perceber que o público não quer ver um filme de computação gráfica que se pareça totalmente com computação gráfica. Lembro-me de que no primeiro filme do Shrek, havia essa busca pelo realismo, e era impressionante o que os computadores podiam criar – era como, ‘Uau, você pode ver os cabelos em seus braços!‘”, disse Crawford.
Wish, Tartarugas Ninja e muito mais
Recentemente, dois filmes chamaram a atenção do público por apresentarem estilos de animação semelhantes aos citados acima: Wish: o Poder dos Desejos e As Tartarugas Ninja: Caos Mutante. Enquanto o primeiro é “inspirado nas ilustrações em aquarela dos contos de fadas que fascinaram Walt Disney, o visual do filme combina um estilo aquarela atemporal com animação 3D CG contemporânea”, de acordo com a própria Disney, o segundo aproveita a combinação de estilos de projetos como Aranhaverso e A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas, além de ter os filmes como referência.
O desenvolvimento destes filmes, e dos muitos outros que virão no caminho, mostra como as inovações do estilo de animação estão em um dos momentos mais prolíficos da indústria. O afastamento do fotorrealismo, ao fim, mostrou-se importante para explorar uma das linguagens mais ilimitadas do cinema. Agora, é segurar a curiosidade para saber o que diretores e animadores estão preparando para o futuro das animações.
Aranhaverso 2 vai "ultrapassar muitos limites"; crossover inusitado é confirmado em prévia fofaÉ como Chris Miller, produtor de Aranhaverso e Família Mitchell, disse à Variety: “A tecnologia finalmente atingiu os limites da nossa imaginação. E então não há desculpa para fazer um filme de animação que se pareça com todos os outros. É um meio que implora por um toque personalizado quando tudo é possível.”