TEM SPOILERS DO LIVRO E DO FILME!
IT: Uma Obra Prima do Medo
"IT" (também conhecido como "Stephen King's IT") é uma telessérie que foi dividida em duas partes lançada pela ABC em 1990. A minissérie foi dirigida por Tommy Lee Wallace e adaptada por Lawrence D. Cohen do romance de Stephen King de 1986 com o mesmo nome. A história gira em torno de um monstro predador que pode se transformar nos piores medos de suas presas para devorá-las, permitindo-lhe explorar as fobias de suas vítimas. Ele assume principalmente a forma humanóide de Pennywise, um palhaço cômico sombrio. Os protagonistas são "The Lucky Seven", ou "The Losers Club" (Clube dos otários), um grupo de crianças rejeitadas que descobrem Pennywise e juram matá-lo por todos os meios necessários. A série se passa em dois períodos de tempo diferentes, o primeiro quando os perdedores confrontam Pennywise pela primeira vez quando crianças em 1960, e o segundo quando eles retornam como adultos em 1990 para derrotá-lo uma segunda vez depois que ele ressurge.
O livro "IT" foi inspirado em um conto de fadas infantil da Noruega. A revelação foi feita pelo próprio autor em seu blog oficial.
"IT" (em português "A Coisa") foi o maior livro que eu já li em toda a minha vida bibliófila. A obra literária do mestre King possui 1.103 páginas que te leva para uma experiência incrível, além de bastante sombria e tenebrosa, é claro. O livro nos proporciona uma verdadeira viagem abordo daquela história na cidade fictícia de Derry (Maine), juntamente com o grupo das 7 crianças e os 7 adultos. Sem dúvida "IT" está na prateleira das melhores obras do mestre, e muito por nos proporcionar uma leitura fluida, dinâmica, prazerosa, ao mesmo tempo que éramos confrontados pela figura macabra, sombria, oculta e misteriosa de Pennywise. "IT" te agarra com uma história tão impactante e tão envolvente, onde nos sentíamos parte daquela história que estava sendo contada. Era como se também fizéssemos parte do grupo - incrível!
"IT" foi uma experiência surreal, uma das melhores que eu já tive na vida.
A ideia de adaptar o romance do mestre King em um formato de telefilme, onde foi construído diretamente para a TV norte-americana, foi uma ideia muito boa e que deu bastante certo na época. Até pelo tempo de duração, onde temos 3h12min, que faz bastante jus ao livro, já que o mesmo passa das 1000 páginas. No Brasil fizeram uma reestruturação e uniram as duas partes da minissérie em apenas uma.
"IT" é o puro suco de toda a essência cinematográfica oitentista e noventista! E o maior acerto dessa obra está justamente na adaptação, que particularmente considero "quase" perfeita. De fato temos aqui uma adaptação completamente fiel ao livro, que sim, tem algumas mudanças (o que é natural) mas são mudanças sutis, que colabora ainda mais com a história. Também temos algumas partes do livro que ficaram de fora e outras que foram modificadas, o que também é normal, mas a grande essência e a grande marca do livro está muito bem integrada na história. Dessa forma eu coloco "IT" junto com "Carrie", como as duas melhores adaptações das obras de Stephen King.
Um ponto que pode desagradar algumas pessoas está exatamente no fato da obra ter sido idealizada para a TV, o que obviamente diminuiu muito o apelo gráfico do terror, do horror, do medo, do sangue, e até de alguns pontos cruciais da história envolvendo temas como a pedofilia e o racismo. Digamos que a história em si ficou teoricamente mais leve, mais suave em relação ao livro, que sim, lá temos uma história muito mais pesada e chocante nesses pontos levantados. Outro ponto é na questão do terror como um todo e justamente na figura do palhaço Pennywise, que não tem aquele peso mórbido, soturno e grotesco do Pennywise do livro, sendo bastante aliviado até nas questões estéticas das cores. A figura do Pennywise graficamente é mais colorido, o que talvez não irá impor aquele pavor e aquele medo que muitos esperavam. Acredito que algumas dessas decisões se apliquem ao fato de realmente ser uma produção televisiva e também se esbarrarem nas questões dos efeitos e orçamentos da época, que obviamente era uma outra realidade, outras tecnologias, onde a aposta maior era justamente nas maquiagens ao invés dos efeitos.
Toda essas questões abordadas podem de fato ser o diferencial para algumas pessoas. Já eu vou na contramão, eu vejo a obra por outro lado, com outros olhos, aqui a ideia não é bem aquele medo que vai te levar ao susto (já que o longa em momento algum faz uso dos sustos forçados e dos jumpscare). Eu diria que a obra é calçada na tensão, no incômodo, no suspense, no pavor, no lúdico, que se mistura com os dramas, os medos e os traumas do passado com os fatores do presente na vida de cada um ali. Temos aqui uma obra completamente imergida no drama psicológico, no terror psicológico, no terror fantasioso, que confronta diretamente com o drama de cada um dentro da sua própria história. O próprio Pennywise se utiliza do medo de cada um, do trauma de cada um, para fazer as suas aparições e os seus ataques, que muita das vezes é envolto no mistério e no oculto.
O maior acerto do roteiro está exatamente na decisão em nos envolver na história fazendo um contraponto com o passado e o presente. Toda narrativa que foi criada a partir do telefonema de Michael Hanlon (Tim Reid), onde cada um ia sendo apresentado e inserido na história, onde íamos sendo confrontados com a figura do presente e suas lembranças do passado sendo revividas através de flashbacks, é muito funcional e encaixou perfeitamente com a principal proposta do roteiro. Essa mescla do presente e passado, com os personagens crianças e adultos, ficou excelente, principalmente pelo fato de cada um já adulto ao chegar na cidade começarem a reviver seus fantasmas do passado. Era como ao retornarem para a cidade os seus traumas, medos e frustrações de infância retornarem com eles, ou possivelmente eles não retornaram, mas estiveram todos esses anos guardados com cada um.
A primeira hora é justamente focada em apresentar e desenvolver cada personagem dentro da sua história. E o uso dos flashbacks ficaram perfeitos, casou perfeitamente com a proposta, pois em nenhum momento eles confundiram ou destoaram da trama central. Após a reunião e formação do grupo de crianças temos o então primeiro embate com a figura do Pennywise, onde as crianças saem vitoriosas desse primeiro confronto e juntos selam aquele pacto eterno. A partir da metade do filme temos a nova reunião do Loser Club, 30 anos depois, com cada um dono da sua própria vida e dos seus próprios negócios.
Eu considero a parte das crianças muito melhor que a parte dos adultos (isso em todos os quesitos). Era como se a parte das crianças representasse melhor a obra como um todo. Pois é nessa parte que temos a melhor adaptação em relação ao livro do mestre King; onde temos várias cenas icônicas como aquela clássica do Georgie Denbrough (Tony Dakota) com o barquinho e o primeiro encontro com o temível Pennywise. Além da clássica guerra de pedras e aquele encontro do Eddie Kaspbrak (Adam Faraizl) com o senhor Keene (Tom Heaton) na farmácia, onde o próprio afirma para o garoto que ele não sofre de asma e que aquele remédio nada mais era do que água.
A parte infantil na trama traz uma melhor adaptação justamente por ter mais peso nas questões dos traumas de cada um, dos seus medos e das suas frustrações. Já na parte adulta essa questão também está presente, mas de forma mais leve e sem o mesmo impacto e o mesmo peso de quando eram crianças. Na parte infantil é aonde temos uma abordagem maior em relação ao bullying, o racismo e a selvageria. Pelo lado do bullying temos a figura central do Ben Hanscom (Brandon Crane), que é sempre atacado por ser uma criança gorda. Já na questão do racismo temos a figura central de Mike Hanlon (Marlon Taylor), que é atacado por ser negro. Apesar que aqui temos abordagens muito mais leves em relação à estas partes no livro, já que a história do racismo sofrido por Mike e sua família é bem mais detalhada e triste. Além de explicar exatamente que o clube "Black Spot" foi incendiado pelo "Ku-Klux-Klan", o livro também traz agressões bem mais pesadas praticadas por Henry Bowres (Jarred Blancard). O valentão sempre usa termos racistas para se referir a Mike e pratica gordofobia com Ben. Já na questão da pedofilia, foi uma parte totalmente deixada de lado no filme (por razões óbvias), já que no livro são partes bem chocantes e pesadas sofridas pela Beverly Marsh (Emily Perkins).
Esta clara diferença do núcleo infantil para o núcleo adulto também é sentida na questão do elenco. Pois é muito perceptível o quanto o núcleo infantil é muito melhor em suas atuações, onde cada ator tinha uma interpretação muito melhor que a sua versão adulta.
O núcleo infantil era composto por 7 crianças com idades de 12 anos:
Jonathan Brandis (Bill Denbrough)
Brandon Crane (Ben Hanscom)
Adam Faraizl (Eddie Kaspbrak)
Seth Green (Richie Tozier)
Ben Heller (Stan Uris)
Marlon Taylor (Mike Hanlon)
Emily Perkins (Beverly Marsh)
Cada um desenvolveu muito bem o seu papel, uns se sobressaindo mais que outros, como no caso da Emily Perkins e do Brandon Crane, mas no geral todos estiveram muito bem e entregaram ótimas atuações.
Já o núcleo adulto é composto por:
Richard Thomas (Bill Denbrough)
John Ritter (Ben Hanscom)
Dennis Christopher (Eddie Kaspbrak)
Harry Anderson (Richie Tozier)
Richard Masur (Stan Uris)
Tim Reid (Mike Hanlon)
Annette O'Toole (Beverly Marsh)
Aqui já não temos as mesmas qualidades de atuações das crianças, pois no geral uns se destacavam mais que outros, e outros só estavam compondo o personagem e sendo bem coadjuvantes na história. Vale destacar a Beverly Marsh de Annette O'Toole, que na minha opinião, é a que tem a melhor atuação de todo o núcleo adulto.
Vale destacar o Henry Bowres criança, que foi muito bem interpretado pelo Jarred Blancard. Jarred conseguiu transcender toda maldade e perversidade que estava instalada no coração do Henry, que o deixava como uma criança claramente perturbada e desequilibrada (ou seja, alvo fácil para o Pennywise). Olivia Hussey trouxe uma Audra Phillips até convincente, embora seja bem diferente da Audra do livro. Michael Ryan (VIII) trouxe um Tom Rogan bem arquitetado no próprio Tom Rogan do livro, conseguindo demonstrar toda perversidade e abuso que ele aplicava na Beverly.
Agora chegamos na principal figura do universo "IT" - Pennywise / A Coisa.
Sem dúvida o palhaço Pennywise é icônico, é lendário, é clássico, é o principal nome de "IT" e está no hall dos maiores vilões da história do cinema e da literatura (isso é inegável). O mesmo vale para o grande Tim Curry, que deu vida para a primeira adaptação do lendário palhaço macabro de Stephen King. Pra mim Tim Curry é o principal nome do filme e está 100% perfeito em sua figura grotesca de Pennywise. Tim conseguiu alcançar o ponto exato de sua interpretação, sem forçar demais, sem parecer apelativo demais, sendo burlesco na medida certa, sendo "palhaço" na medida certa. Além de fazer bom uso da sua linguagem corporal, junto com todo o seu gestual, todas as suas expressões, que mesmo sendo uma figura extremamente colorida mas nos causava repulsa, tensão, apreensão e incômodo (principalmente daquela sua risada tenebrosa). É fato que esta minissérie se tornou mais conhecida pela versão de Pennywise de Tim Curry. De fato, seu retrato foi considerado por várias publicações como um dos personagens de palhaço mais assustadores do cinema e da televisão. Também gerou um documentário financiado pelo Indiegogo sobre a produção da minissérie, intitulado "Pennywise: The Story of It" (2020); e um curta de sequência de história alternativa chamado "Georgie", também dos produtores do documentário.
Na minha opinião: Tim Curry é a melhor versão do Pennywise que já existiu.
A parte final (o embate final com a criatura) é uma parte que já difere do final do livro, e que muitas pessoas acabaram não gostando por teoricamente parecer um final mais fácil, mais leve, mais fraco mesmo, em relação à proporção encontrada no livro.
No livro, a derrota final de Pennywise é bem diferente. Bill usa uma técnica ancestral conhecida como Ritual de Chud, o que leva o personagem para um "Multiverso" onde ele se encontrar com o criador do Universo: uma tartaruga gigante chamada Maturin. Ele orienta Bill a usar o poder de sua mente para derrotar "IT", o que enfraquece a criatura para que os Perdedores possam usar um ataque físico.
A própria aparência do Pennywise (ou sua verdadeira forma) é incompreensível para os seres humanos, já que no livro ele é chamado de "Postigos", ou seja, ele acaba tomando a forma de luzes etéreas e sobrenaturais. O mais perto que a mente humana consegue compreender a forma física de Pennywise é quando ele se transforma em uma aranha gigante (que é justamente sua forma no final do filme). Já a sua derrota no filme é justamente dada pela sua maior fraqueza, ao subestimar a bondade, o amor e a amizade do grupo, levando à sua eventual morte presumida, uma vez que o Clube dos Perdedores se unem e lutam contra ele juntos.
É um final bobinho feito em prol da reapresentação da força do amor e da amizade? É. Mas ok! É aceitável!
Tecnicamente o filme é muito bom para a sua época!
A direção do Tommy Lee Wallace é bastante competente (visto que ele vinha do clássico "A Hora do Espanto 2", de 1988). Dirigir uma versão para a tela de uma história do mestre King foi muito difícil para ele; onde o próprio afirmou que Stephen King é tão bom com a linguagem que pode fazer quase tudo parecer incrivelmente assustador. Muito da direção de Wallace foi influenciada por filmes em que trabalhou com o mestre John Carpenter, como "Halloween" (1978) e "A Bruma Assassina" (1980). Wallace tomou várias decisões técnicas e de encenação apenas para tornar cada cena mais assustadora ou estranha. Isso incluía truques de câmera interessantes, como a cena do restaurante chinês sendo filmada com uma câmera portátil; e as cenas em que ele passa por canos filmados como se fossem do ponto de vista dele.
Apesar da época e do orçamento de uma produção feita para a TV, os efeitos especiais ainda assim eram condizentes com a proporção da obra. A maioria dos efeitos especiais foram feitos praticamente sem alteração digital, como marionetistas sendo usados para animar os biscoitos da sorte na cena do restaurante chinês. Algumas cenas foram feitas com animação de substituição, uma técnica de animação semelhante à animação em stop motion. A animação de substituição foi usada para quando Pennywise saiu do ralo, matou Belch nos esgotos e deu uma cambalhota no ar. Muitos dos efeitos que Wallace planejou usar durante o storyboard não chegaram à versão final por razões de orçamento, como as raízes se contorcendo em torno de Pennywise em seu encontro fantasmagórico com os Perdedores adultos no esgoto. Lindsay Craig, uma artista que ganhava a vida trabalhando como adereço no cinema e na televisão, criou um pouco do sangue para "IT" usando corante alimentar, água e metacil.
Juntamente com todo trabalho de efeitos especiais também tivemos os trabalhos manuais. Nas cenas em que o palhaço se tornou cruel, Tim Curry usava lentes amarelas e dois conjuntos de dentes afiados durante as filmagens: um conjunto menor que ele podia falar enquanto usava e um conjunto menos flexível, mas muito maior para cenas mais horripilantes (os dentes foram desenhados por Jim McLoughlin). O diretor originalmente não queria que Pennywise mudasse para um visual de "terror", mas sim manter o visual de palhaço "legal" ao longo da minissérie, mas essa ideia foi abandonada (e eu concordo plenamente).
Outro ponto que merece um destaque é a trilha sonora, que está impecável, conseguindo harmonizar muito bem cada cena em que a tensão era crescente com a presença sombria do Pennywise. A fotografia faz um contraponto bem interessante, que é justamente as cenas que mesclavam o tom mais colorido do palhaço, que poderia soar como alegria (que é o intuito da classe dos palhaços), com a clássica tensão e o medo.
"IT" contou com um orçamento de $ 12 milhões, o dobro do orçamento normal da televisão. A minissérie foi transmitida pela primeira vez durante o mês das varreduras de novembro. Apesar dos fatores de risco, análises críticas mistas antes da exibição e cobertura das viagens ao exterior do presidente George H. W. Bush interrompendo o programa; foi o maior sucesso da ABC em 1990, alcançando 30 milhões de telespectadores em suas duas partes.
"IT" foi indicado a dois prêmios Emmy, um prêmio Eddie, um prêmio Youth in Film e o reconhecimento de melhor minissérie do People's Choice Awards; ganhou duas das indicações, um prêmio Emmy de Melhor Composição Musical pela trilha sonora de Richard Bellis e um prêmio Eddie pela edição da minissérie.
Encerro afirmando que "IT" é um verdadeiro clássico e um verdadeiro patrimônio da cinematografia dos anos 90. Uma obra que correu seus riscos ao apostar em uma produção feita diretamente para a TV, que obviamente obrigou a pegar mais leve nas partes mais cruciais da história, aliviando o terror mas ganhando na tensão e no suspense.
Uma obra que trouxe uma adaptação extremamente fiel ao livro, mantendo toda a sua originalidade e toda a sua essência, e acima de tudo respeitando todo conteúdo da obra-prima da literatura do mestre King.
Uma obra completamente influente, uma referência no gênero (o "Stranger Things" dos anos 90), aquele clássico cult, que trouxe aquela abordagem sobre a verdadeira amizade, o verdadeiro amor, a superação dos nossos medos, dos nossos traumas e das nossas frustrações.
Uma obra que vai muito além do que a nossa mente pode imaginar, que representa todos os males e a manifestação de todos os nossos medos de infância. [26/05/2023]