Meu primeiro contato com Sétimo Selo foi há quase um mes atrás, quando um colega que, ao ver meu continuo interesse pela sétima arte, me recomendou. Foi um filme que me surpreendeu positivamente de uma maneira tão doce, todavia, cruel. Dito isso, quero compartilhar minhas ponderações sobre o longa.
A título meramente introdutório, cabe ressaltar o nome do longa, faz menção ao livro bíblico Apocalipse, o qual, conforme a escritura, na mão de Deus há um livro selado com sete selos e a abertura de cada um destes selos implica num malefício sobre a humanidade, mas a abertura do sétimo é o que leva efetivamente ao fim dos tempos.
O teor de toda obra – como de praxe do diretor – é deprimente, tem uma atmosfera fria onde se faz impossível não se sentir mal. A história é ambientada em meio a idade média num dos períodos mais caóticos da humanidade: o surto da peste negra, onde fora ceifado a vida de milhões de pessoas no século XIV. Já o personagem central é Antonius Block, um cavaleiro que ao voltar das cruzadas, encontra sua cidade devastada. Logo ao chegar numa praia, encontra-se com uma figura um tanto quanto peculiar: a morte em sua forma carnadura. Ela o saúda e diz que veio o levar.
Todavia, Antonius, temendo morrer sem entender o sentido existencial da vida, desafia a morte para um jogo de xadrez, pois ele era o Mequinho dos tempos medievais e nunca havia perdido sequer uma partida. É nessa partida, que se perpetua durante toda a película, é que se tem os maiores questionamentos sobre a existência humana e a vida finita. No fundo, o nobre Cavaleiro sabia que não havia possibilidades de vencer a morte, ela é inevitável, Antonius tinha apenas a intenção de, caso saísse vencedor, postergar seu destino.
No percorrer da trama, Antonius e sua trupe, viaja pelo interior da sua terra a fim de buscar resposta para tamanho sofrimento, porém não as obtêm da maneira que queria, e gradativamente, o Cavaleiro perde as esperanças e sua fé, caindo num limbo de desilusão total. Nessa empreitada, ele se depara com muitas perversidades costumeiras da época: o fanatismo, a fome e o temor causado pela peste.
Antonius é uma figura alegórica, pois é a forma corpórea das incertezas da vida humana. A Dama Negra por sua vez, é uma figura fúnebre que desperta curiosidade, segue o Cavaleiro a todo tempo, assistindo sua revolta com a vida sem certezas.
(SPOILERS A SEGUIR)
No fundo do poço e cheio de dúvidas, Antonius é apresentado a uma família de atores extremamente simpática e feliz, mesmo eles não possuindo nada, além de esperança e amor entre eles.
O casal composto por Jos e Mia, enriquecem a trama com convicções opostas, pois ambos são esperançosos. E despertam interesse do telespectador pela simpatia e a forma como suas conversas são conduzidas.
Nosso herói, após o encontro com o vivaz casal se sente um pouco mais revigorado, talvez tenhas entendido que a simplicidade da vida e um pouco de amor num mundo completamente amargurado seja suficiente para manter vívido a esperança e esse seja o sentido de tudo; amar as coisas boas do mundo. Ou então, simplesmente entendeu que o fato de a vida ser finita seja o sentido, mesmo que mínimo, da existência humana. Pois ela só faz sentido, porque um dia termina. E ao comtemplar a vida do casal com seu pequeno filho, percebe isso.
Há uma vastidão de observações que se pode fazer sobre o encontro dele com o casal, o fato é que houve uma epifania, e a partir desse ponto, ele não tenta mais postergar o impostergável.
Além disso, é com a junção dos dois núcleos, do casal e o de Antonius, que a trama sai do tom indagatório no qual se propôs no arco do Antonius e a Morte, e passa a ter um teor opinativo, justamente pela cosmovisão divergente entre o casal e o Cavaleiro. O que permite ao longa não dar resposta sobre as dúvidas, mas sim deixar tudo interpretativo. Afinal de contas, quanto mais explicações, maiores são as dúvidas.
Partindo ao final da obra, temos Antonius e o casal em caminhos opostos, Antonius decide ir ao seu castelo com sua trupe, e num jantar, sua esposa lê em voz alta o texto bíblico do Apocalipse, no Sétimo Selo. Por fim, Antonius e seus cinco amigos, dançam com a Dama Negra em um penhasco.
Em contrapartida, Mia e Jos acabam indo por um caminho diferente, pois Jos foi o único que conseguiu contemplar o jogo de xadrez entre o Cavaleiro e a Morte, e temendo, decide fugir. Na fuga, o Casal se depara com trovões e barulhos aterrorizante, sendo uma clara referência ao Apocalipse, ainda no Sétimo Selo: “E o anjo pegou o incensário, encheu-o do fogo do altar e o atirou à terra. E houve trovões, barulhos, relâmpagos e terremoto.”
Após a tempestuosa chuva, o arco do Jos termina com ele feliz, contemplando a dança da Morte, onde se tinha sete pessoas (incluindo a própria) novamente uma referência ao Apocalipse: “Quando o Cordeiro abriu o sétimo selo, houve silêncio no céu por mais ou menos meia hora. Então vi os sete anjos, que se acham em pé diante de Deus, e vi que lhes foram dadas sete trombetas.” E o Deus, alegoricamente, no contexto do filme, pode ser interpretado como o próprio Jos admirado com a figura dos sete, pois, o filme tem suas concepções ateísta, e a mensagem no último momentum, pode ser de que o homem é o seu próprio Deus, nada existe além dele.
Em seu turno, ainda tenho algumas ponderações sobre a obra. A prelúdio, quero ressaltar o trabalho magistral do diretor quanto aos elementos que compõem a fotografia, Bergman trouxe um toque teatral remetendo as origens do texto base, além de criar cenas com um teor soturno com uma atmosfera de terra arrasada, combinando perfeitamente com a época retratada. Bergman merece admiração, pois conseguiu fazer, em meados da década de 50, um trabalho atemporal em termos visuais, mesmo sendo um filme preto e branco, com baixo orçamento.
Outra mera observação, é que a figura feminina durante a película remete a pureza. Logo no início, é destacado uma visão do Jos, onde ele contempla a pureza da Virgem Maria ensinando uma criança a andar. E em seguida, somos apresentados a Mia, esposa do Jos, tão doce, sempre vista vestindo roupas claras em cenas diurnas e bem iluminadas, contrastando com o tom frio de toda a obra.
Por fim, o filme tem como temas centrais a morte, os questionamentos existencialistas e a fé. E tudo isso centrado num personagem que acabara de chegar das cruzadas. Possui suas falas abstratas, cheias de metáforas e alegorias. Os temas que o filme aborda são de fato muito intrigantes e faz questionar-se a si mesmo, porém não diria que é um filme fácil de ser digerido. Ele é arrastado, tem seus planos estendidos à exaustão. Entretanto é uma experiencia, recomendo a todos paciência ao assistir.
Dou fácil um 4,5 de nota.