Star Wars: a Força de uma franquia.
Há muito tempo atrás, numa terra muito, muito distante, mais precisamente na Tunísia, Norte da África, começavam as exaustivas filmagens de um longa-metragem que mudaria para sempre a história da cultura Pop, dividindo o cinema em antes e depois dele. Os atores (confusos com as páginas do roteiro que lhes eram entregues, pensando se tratar de uma história infantil), gravaram também em estúdios em Londres, onde foram construídos cenários futuristas que ajudariam a dar vida àquela história a princípio tão absurda. Enquanto isso, nos EUA, planetas, naves, criaturas exóticas e toda espécie de quinquilharias eram confeccionados de forma artesanal por uma jovem equipe de técnicos, na recém-criada Industrial Light & Magic (que se tornaria nada menos do que a maior empresa de efeitos especiais do cinema), dando forma à galáxia idealizada para ser o cenário dessa inóspita aventura espacial. E na pós-produção, um sistema de som revolucionário e arrebatador (dando origem ao THX, que se tornou padrão) capaz de nos fazer ‘acreditar’, logo no início da projeção, que um imenso cruzador estelar estava sobrevoando a sala de cinema. Além disso, uma trilha sonora inesquecível, recheada de temas que grudam na mente, composta pelo (já famoso na época) maestro John Williams, então com 45 anos, e no auge de sua criatividade, que nos anos seguintes orquestraria tantos outros filmes igualmente icônicos. Toda essa trabalhosa empreitada foi conduzida – com menos recursos do que se imagina, algo em torno de 10 milhões de dólares – por um promissor cineasta, um tal de George Lucas.
Até então, Lucas havia dirigido apenas outros dois longas. Seu primeiro, inspirado no curta-metragem feito por ele mesmo como Trabalho de Conclusão de Curso da faculdade de cinema, foi THX1138 (1971), uma ficção científica distópica e intimista, que em nada lembra a aventura estelar que conceberia alguns anos depois. O segundo, um sucesso razoável de crítica e público, foi a comédia nostálgica Loucuras de Verão (1973), com um Harrison Ford novato no elenco. Com o lucro desse filme, Lucas pôde iniciar aquele que seria o trabalho de sua vida. Após vários estúdios terem dito “não”, a Fox vislumbrou naquele 'projeto maluco' um certo retorno financeiro. Mas foi uma aposta arriscadíssima. O público compraria a ideia dessa história de capa e espada ambientada no espaço? A resposta foi imediata. Star Wars, conhecido no Brasil como Guerra Nas Estrelas, lançado em 1977, simplesmente redimensionou o conceito de cinema, associando-o para sempre (para o bem ou para o mal) ao entretenimento de forte apelo juvenil. Um novo e sedento público tinha acabado de ser descoberto, composto por jovens e adolescentes que formariam filas e mais filas para ver as tão aguardadas estreias, com muita pipoca e refrigerante. Sairiam das salas comentando, cheios de empolgação, o que tinham acabado de ver, formariam grupos de amigos, 'redes sociais' para trocarem ideias, opiniões e... produtos. Comprariam brinquedos, revistas, álbuns de figurinhas, cadernos, camisetas, bonés, canecas, e tantos outros itens à venda que tivessem relação com aquele universo visto na tela. Sim, Lucas criou (ainda que involuntariamente) o conceito de temporada de verão do cinema americano, ou blockbuster, e instituiu na 7ª Arte (sabendo exatamente o que estava fazendo) o licenciamento de produtos referentes ao filme, ou merchandising. O império de George Lucas havia começado.
Após tantos anos, o visual deste longa original (mesmo antes das inúmeras remasterizações) ainda surpreende. O elenco esbanja simpatia, enriquecido pela ilustre presença de Sir Alec Guinness, além, é claro, de Harrison Ford, catapultado à condição de astro pouco tempo depois. E a história, a princípio confusa, iniciada em pleno conflito no espaço, e conduzida na primeira meia hora por dois dróides, que nos levam a conhecer Luke Skywalker e o início de sua jornada, era cativante. Quem, afinal, era aquele imponente vilão de visual 'cyborg', figurino todo preto, de capa e uma misteriosa máscara sob um capacete ‘lego’, respiração afetada e voz grave que aparecia logo nos primeiros minutos do longa, inquirindo aquela bela princesa de personalidade forte e penteado esquisito? Que tipo de herói ‘canastrão’ era aquele Han Solo que atirava primeiro? E seu assistente, que mais parecia um ‘tapete ambulante’? Que facilidade era aquela com que os personagens se locomoviam entre os planetas com suas naves, como quem vai de carro de uma cidade a outra? E aquelas acrobacias aéreas, proporcionadas por naves de movimentos tão dinâmicos, em sequências tão ágeis e alucinantes? Que armas eram aquelas, semelhantes a espadas, mas que no lugar de lâminas emitiam feixes de luz? E esses cavaleiros Jedi, que usavam a Força, um poder incomum capaz de mover objetos e invadir mentes? Finalmente, talvez a maior de todas as perguntas, que demorou décadas para ser respondida: como aquele cara de preto foi seduzido pelo lado negro (ou sombrio) da força, e ficou daquele jeito? E, a propósito, onde foram parar os créditos de abertura? Star Wars também foi pioneiro em mostrá-los somente no final da projeção, algo tão comum hoje em dia.
Lucas bateu o pé com a Fox, alegando que os créditos iniciais quebrariam o ritmo que ele havia idealizado para o início do longa. Para ele, a platéia precisaria ser ‘fisgada’ logo nos primeiros segundos, em que veria o título do filme, e em seguida um breve letreiro subindo na tela como se flutuasse em meio ao espaço, sumindo no horizonte, e contextualizando o que estava prestes a ser mostrado. Então, o gigantesco destroier imperial invadiria a sala com toda a sua magnificência e a história já começaria “do meio”, com C-3PO e R2-D2 fugindo dos soldados do Império, e Dart Vader interrogando a Princesa Léia para descobrir onde estavam os rebeldes. Resultado: platéia fisgada e conquistada. “Nomes de elenco e equipe? Deixemos para o final.” Assim se fez, e assim se faz até hoje.
Indicado a dez Oscars, Star Wars ganhou seis, todos em categorias técnicas, perdendo os de roteiro, diretor e filme para Woody Allen e seu Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (!!!). A despeito do menosprezo da Academia, o fenômeno Pop já estava consolidado. Arrecadando quase 800 milhões de dólares, Star Wars se tornou a maior bilheteria do cinema na época (recorde batido em 1982 por E. T. – O Extraterrestre, do seu amigo Steven Spielberg). A ousada odisséia ambientada numa galáxia distante, a princípio considerada um projeto de risco, começou a ditar as regras na indústria cinematográfica. Rapidamente o jovem cineasta George Lucas passou de desacreditado a celebrado. As cláusulas que ele sabiamente 'propôs' em seu contrato com a Fox lhe garantiram autonomia total sobre seus personagens, e o caminho para a continuidade da franquia estava solidificado. Não é exagero nenhum, portanto, afirmar que Star Wars foi um divisor de águas ou, por que não, um divisor de espaços. Fato é que, depois dele, o cinema nunca mais foi o mesmo. Star Wars não sai de moda. Em todos esses anos, sempre esteve em evidência, seja no cinema, na TV, nas HQs, nos jogos de videogame, e quase sempre com a 'bênção' de seu criador. Difícil encontrar em nosso mundo civilizado alguém que nunca tenha visto um sabre de luz.
Com o tempo, descobrimos que o filme de 1977 narrava eventos do Episódio IV de uma epopéia muito maior, e que Lucas optou por filmar esse trecho antes dos demais por ser mais econômico, diante dos recursos disponíveis na época, além de ser uma parte da história mais empolgante para o público. O ciclo se completou em 2005, com o lançamento do Episódio III, em que pudemos, afinal, conhecer o momento mais trágico da história de ascensão, queda e redenção de Anakin Skywalker. A série no cinema estava encerrada, duas trilogias, seis episódios e mais de 4 bilhões de dólares arrecadados. O velho Jorge podia descansar sossegado em seu rancho no Estado da California, tanto quanto seus heróis que, como visto no Episódio VI, de 1983, haviam, enfim, conquistado a paz naquela galáxia distante. Contudo, a saga da família Skywalker e seus aliados, esse milkshake Pop que Lucas criou bebendo em tantas fontes, que vão da mitologia grega a Flash Gordon, passando por contos de piratas, samurais, faroestes, e temperada com pitadas de conspirações políticas e tragédia shakespeariana, resultando nesse belíssimo exemplar da eterna luta do bem contra o mal, continua.
Ops, esse era para ser um texto sobre o novo filme da série, que acaba de ser lançado. Eu deveria fazer uma breve introdução sobre o surgimento da saga no primeiro parágrafo e... Bem, que a Força esteja comigo ao usar os teclados novamente, e com você, caro leitor, ao ler a próxima postagem!