A paz no Oriente Médio é uma utopia?
por Bruno CarmeloNas primeiras imagens, o diretor Amos Gitai se coloca em cena e afirma que não pretende efetuar um documentário comum, e sim um “diário visual”. Inspirado no trabalho dos arqueólogos, ele decide ir aos territórios palestinos e investigar todas as camadas que impedem o local, há mais de 100 anos, de encontrar a paz entre judeus e árabes. No entanto, a investigação não adota um viés histórico, e sim jornalístico: o cineasta faz das entrevistas sua principal ferramenta de diálogo.
Até aí, nenhuma novidade dentro da estrutura clássica do cinema documental. Mas Gitai toma algumas precauções dignas de nota: primeiro, ele registra suas perguntas e suas expressões, visando à transparência da abordagem. O espectador sabe exatamente quais palavras foram ditas para provocar as respostas subsequentes, além do tom empregado pelo israelense para questionar tanto as pessoas de seu país quanto os palestinos. Segundo, ele decide ouvir o máximo de lados possíveis, conversando com ministros, jornalistas, chefes de ONGs, mulheres do povoado, crianças.
A Oeste do Rio Jordão adota o tom de urgência, com imagens em registros estéticos abertamente desiguais: enquanto algumas pessoas fornecem depoimentos em estúdio, com iluminação cuidadosa, outras são abordadas com câmera tremida, enquanto o diretor está dentro de um carro, especialmente nas regiões mais perigosas. Gitai abre mão da coesão imagética pela relevância política das imagens e dos sons. A sobreposição das falas poderia soar idealista, mas o filme faz questão de investigar iniciativas práticas de união entre as diferenças, a exemplo de manifestações artísticas organizadas por palestinos e judeus e associações de mães cujos filhos, de ambos os lados da fronteira, foram mortos em combate.
O diretor funciona como bom provocador. Para a ministra israelense das Relações Exteriores, pergunta sobre os direitos dos palestinos. Para um grupo de homens palestinos, pergunta sobre o radicalismo de Yasser Arafat. Ele busca os limites no pensamento de cada grupo, tateando um possível ponto de convergência. As cenas de interlocutores constrangidos, ou irritados, reforçam o teor delicado das conversas e expõe a variedade de pensamentos, inclusive entre aliados. A disputa vai muito além de “israelenses contra palestinos”: questiona-se a importância da ocupação israelense, do combate armado, da delimitação das fronteiras, da intervenção internacional etc.
Fosse limitado às entrevistas, o resultado seria maçante. Felizmente, Gitai tem um olhar treinado para pequenos momentos de poesia ou metáfora entre as discussões. Muitas dessas belas cenas envolvem crianças: no cruzamento de uma avenida em Gaza, um garotinho de aproximadamente oito anos de idade vende morangos. Os caminhões quase o atropelam, mas ele corre de um lado para outro, falando com árabes e judeus, tentando vender seu produto a quem comprar. Em outro momento, uma criança fala sobre o sonho de morrer como mártir. “Não é melhor ficar vivo?”, pergunta Gitai. “Eu gosto de viver, mas morrer como mártir é melhor”, responde o garoto. O duro lirismo do filme se encontra nesses momentos, quando a câmera registra o fato que a cisão entre povos tomou a mentalidade dos indivíduos, moldou as culturas e impregnou as novas gerações. A guerra não é mais um dado político: ela se tornou uma questão de identidade, um modo de estar no mundo.