Ao contrário de cineastas como José Padilha (Tropa de Elite 1 e 2) ou Kleber Mendonça Filho (Aquarius), o diretor Rodrigo Bittencourt deste Real não tem a mínima intenção de dar uma visão imparcial sobre os homens e situações por trás da criação da moeda que vigora em nosso país até os dias de hoje – não que um cineasta não possa deixar sua opinião exposta em um filme – mas deve-se, ao menos, respeitar a inteligência do espectador – que, acredito eu, é terrivelmente desrespeitado, caso tenha uma opinião contrária a de Bittencourt.
Logo em sua primeira cena temos um exemplo disso: o personagem de Emilio Orciolo Neto, conversando com um casal de amigos em uma mesa de restaurante, diz que se um dia se pegar assistindo um jogo de futebol em casa, vai saber que “fracassou na vida” – ou seja, isso seria uma ofensa a quem gosta do esporte – afinal, o futebol é uma paixão nacional, como obviamente sabemos – mas, ainda assim, poderíamos pensar que aquilo seria apenas a opinião de um personagem – lembrem-se, por exemplo, que o Travis Brickle em Taxi Driver, não expressa as opiniões e conceitos de Martin Scorsese. Já com Bittencourt é inegável: além de ter declarado escancaradamente durante a divulgação do filme que sua posição politica é de direita, com essa cena que citei, ele traça um arco dramático para finalizar o filme que é a mesma coisa que dizer: “vocês que pensam diferente de mim são idiotas”. Realmente, não tem como deixar de sentir isso pela “visão” do diretor.
Concentrando o foco da narrativa vazia e sem ousadia do longa no personagem de Orciolo Neto, o economista Gustavo Franco, o filme começa sua história em 1993, mostrando como foram os dias de elaboração e execução da moeda que veio para salvar o Brasil de uma inflação galopante – que inúmeros planos anteriores não conseguiam controlar. Gustavo, que é um capitalista escancarado e detesta a abordagem dos governos anteriores sobre a economia, acaba liderando um time de economistas, a mando do então ministro da fazenda, Fernando Henrique Cardoso (Rizzo), que inicia os métodos para conter a inflação e lançar a nova moeda – tendo que correr contra o tempo para garantir votos do partido que governava à época e rechaçar a opinião contrária da esquerda politica.
Real possui uma estrutura temática ruim, aliada a um desenvolvimento de história problemático e mal elaborado. Que filme, em pleno 2017, seria capaz de mostrar os políticos de partidos como PMDB e, principalmente, PSDB como “heróis nacionais”? Que filme faria questão de apresentar um representante de oposição, no caso o personagem de Juliano Cazzaré, como um individuo disposto apenas a brigar, ao invés de debater sobre o plano – sabemos que o PT era contra o plano real, mas esta forma genérica de representar a esquerda é altamente desrespeitosa – afinal, nem Kleber Mendonça Filho atacou a direita tanto assim com seu Aquarius. Ao demonizar a esquerda e endeusar a direita, como na ridícula cena onde Gustavo toma o microfone de um manifestante em frente ao prédio do Banco Central, e faz um discurso pseudo-moralista-intelectual dizendo que só ele e seus parceiros são a solução para o problema de tudo ou ao retratar os homens do plano real como “heróis” – ao inserir uma ridícula cena em câmera lenta dos engravatados economistas andando próximos ao planalto central, com direito a trilha-sonora e eloquente e tudo mais – olha... cheguei a pensar que iriam retratar o Gustavo Franco como um tipo de Neo do Matrix. Talvez se o filme fosse lançado em 1995 poderíamos até pensar que sua visão tivesse alguma coerência – mas não, estamos em 2017 e sabemos que direita e esquerda não podem ser taxados apenas como “mocinhos ou vilões” – é algo complexo demais para a abordagem simplória e fechada de Rodrigo Bittencourt.
E ainda que tivesse tudo isso, mas fosse uma experiência no mínimo agradável de acompanhar, com uma narrativa bem fluida e coerente, Real poderia ser no mínimo razoável – mas o roteiro é tão artificial e esquemático que é impossível se mostrar empolgado com sua curta história. O roteiro não consegue traçar nenhum personagem de forma multifacetada ou sem soar falso, como evidente na figura da apagada e estereotipada atuação de Orciolo Neto, incapaz de mudar de feições de momentos diferentes para outro – demonstrando sempre uma arrogância em todos os lugares que passa, parecendo mais um garoto mimado do que um economista sério e disposto a expressar sua opinião firmemente. Dessa forma, o roteiro também desperdiça a bela e talentosa Paolla Olivera, como a esposa de Gustavo, em papel que nem sequer existiu na vida real – ficando aqui como uma companheira extremamente submissa ao marido, apenas criada para dar mais dramaticidade e mostrar como o economista é um homem absolutamente insuportável.
O resto do elenco acaba sendo prejudicado pelas criações totalmente parciais de seus personagens: veja, por exemplo, Cássia Kiss, ao interpretar uma jornalista que entrevista Gustavo, pouco antes de seu julgamento por suspeita de “manobras fiscais” em sua presidência do Banco Central – o diretor e roteirista escancara ainda mais como quer situar a oposição como “idiotas” ou “analfabetos políticos” através desta personagem. Mas já os integrantes do governo são como “anjos”: embora Norival Rizzo busque se assemelhar fisicamente ao FHC, a abordagem do personagem pelo roteiro é obviamente irreal, principalmente quando ele se torna candidato a presidência – e a forma como o então presidente Itamar Franco de Bemvindo Siqueira é retratada é mais fácil ser risível do que uma critica contra governos apenas preocupados com sua aparência – como se a administração de FHC, depois, não fizesse o mesmo. E o veterano Tato Gabus Mendes nada mais faz do que representar a figura de Pedro Malan – que, no roteiro do filme, não tem NENHUMA função. Um atente para a caracterização quase idêntica (principalmente a voz) de Arthur Kohl para o então senador José Serra. E só.
Enfim, em tempos em que a briga entre esquerda e direita cada vez mais prejudica o foco real para combater um governo escancaradamente corrupto, um filme que pretende “atiçar” ainda mais este conflito faz um desserviço para nossa nação – esquecendo-se de mostrar a verdadeira importância de um plano econômico que realmente salvou nossa economia – o que, ao contrario da visão do filme, não transforma seus realizadores em heróis – afinal, não adianta tratar contar uma história, se torna um filme extremamente desnecessário para o cinema e para nossa nação bem um cão e depois maltrata-lo. E aliado à sua falta de criatividade, dinâmica e brilho em.