Ao esperar uma obra padrão de uma história de amor proibida, me deparei com a surpresa de um filme minunciosamente elaborado. Não foi a primeira obra traduzida para o meio cinematográfico e, com o andar da carruagem, não será a última. Se até Alfred Hitchcock se rendeu aos escritos de Patrícia Highsmith, em “Pacto Sinistro” de 1951, só pode significar que as obras tem seu valor.
Patrícia foi uma mulher reclusa e bastante misteriosa. Não á toa que Joan Schenkar dedicou um bom tempo de pesquisa para desvendar os maiores segredos da autora e publicar em seu livro “A Talentosa Highsmith“. A escritora utilizou de suas próprias experiências para criar suas personagens e envolver os mais desconfiados leitores. Nada mirabolante demais, nem dramático em demasia, tudo na medida certa.
Em “Carol”, a começar pela história adaptada, o filme tece um sutil entrelaçamento de expectativa e sutileza. É fato que todo filme da temática gay tenta ser o mais sutil o possível com o intuito de convencer até as mentes mais retrógradas de que não passa de uma história de amor. “Carol” vai além. A sutileza está na interpretação do diretor Todd Haynes e não no roteiro, que desde o princípio deixa claro o problema central do filme.
A paixão entre Carol Aird (Cate Blanchett) e Therese Belivet (Rooney Mara) não é avassaladora. Não é um amor a primeira vista. É a intriga com o que existe por trás do olhar de cada uma que as une, as envolve e as marcam. Vindas de realidades completamente opostas e tendo Therese, que nunca antes se apaixonou por uma mulher, como alvo dos caprichos de Carol, o romance entre as duas era mais que improvável. Mas ainda não é isso que nos prende.
O ritmo do filme chega a ser contraditório. Ao mesmo tempo em que tudo vai acontecendo na vida de Carol, em relação à guarda de sua filha Rindy e o divórcio com Harge (Kyle Chandler), a relação entre Therese e Carol, apesar das rápidas escolhas de estarem cada vez mais próximas, caminha lentamente. É a leitura de uma poesia em meio ao turbilhão de uma metrópole. E é a expectativa do que está por vir que nos mantém reféns da tela do cinema.
Tanto Cate Blanchett como Rooney Mara estão impecáveis no filme, mas é Cate quem surpreende. Seu olhar austero e ao mesmo tempo sedutor, sua postura imponente que chega a intimidar, ao mesmo tempo que convida à proximidade. Belíssima e intrigante, Cate nos conduz dentre seus mistérios e desejos, nos envolve em suas angústias e nos obriga a perdoá-la por suas escolhas. É uma mistura de amor e paixão, dedicação e abdicação.
A fotografia não podia ser mais peculiar. Sempre nos provocando a ansiedade de saber o que encontra-se do outro lado para onde a câmera está a nos levar vagarosamente. Fundamentada em seus detalhes que nos aproximam das sensações das personagens, nos repetitivos reflexos de Therese nos vidros de trens e carros que nos faz pensar se ela age por ela mesma ou por consequência de sempre dizer “sim” a tudo. A cena de intimidade nunca será como “Azul é A Cor Mais Quente”, mas porque não quer. Não é a intenção e não teria sentido uma imagem tão explícita em um contexto já tão transgressor. Novamente a sutileza da leitura bate à porta e nos deixa embasbacados com a representação do amor, e não do sexo.
Vale ressaltar que os figurinos são obras de ninguém menos que Sandy Powell, indicada 11 vezes e vencedora de 3 estatuetas da academia por suas brilhantes criações. Os detalhes em “Carol” não deixam a desejar. As cores que evoluem conforme a intensificação da sedução, o vermelho vibrante de Carol em meio a uma multidão de tons de cinza, o ar de doçura e pureza de Therese que também se transforma quando ela decide dar andamento ao seu sonho de tornar-se fotógrafa.
O filme, como dito no começo do artigo, é minunciosamente elaborado. Cada elemento complementa o outro de forma única e necessária. É o que faz necessário que você assista a este filme.
H.K.