O nome Costa-Gavras pode não dizer muita coisa para as novas gerações, mas do final dos anos 60 até meados dos anos 80 o diretor foi quase sinônimo do chamado cinema político. De origem grega, mas há muitos anos radicado na França, suas maiores consagrações foram Z, com o qual ganhou seu primeiro Oscar – de melhor filme estrangeiro - e Missing-Desaparecido, segundo Oscar – desta vez de roteiro – e a Palma de Ouro no Festival de Cannes. Muitos de seus filmes ficaram anos proibidos no Brasil, durante a ditadura militar. Com o final dos regimes de exceção na Europa e na América Latina, Costa-Gavras ficou um pouco órfão de sua própria obra. Mas nos últimos anos ele tem se dedicado a retratar novas mazelas que afligem o homem moderno ocidental, já há algum tempo liberto dos regimes ditatoriais.
Se no início do século XX os filósofos declaravam que “Deus está morto”, em alusão à prevalência da ciência sobre as crenças religiosas e supersticiosas, no início deste século o que vemos é a eleição de um novo Deus, o Deus-mercado, todo-poderoso, impiedoso e ainda mais cruel do que o Deus espiritual que pintam algumas religiões. Em nome dele – o Deus-mercado – parece que tudo deve ser sacrificado. Empregos, vidas, carreiras, família, felicidade, ética, leis e valores morais. É crescente o número de filmes que colocam banqueiros e corretores de valores como verdadeiros vilões.
Neste O Capital, acompanhamos a história de Marc, um banqueiro de carreira que chega onde sempre quis: a presidência de um grande banco. Todos os seus movimentos visam, aparentemente, resguardar os interesses dos grandes acionistas e a sobrevivência de uma poderosa instituição capitalista de 40 anos. Mas, no fundo, tudo que ele almeja é poder e dinheiro, cada vez mais. Sua esposa lhe pergunta por que ele quer sempre mais. Sua resposta é que deseja ser respeitado.
O filme dá um corte narrativo para este momento delicado do Banco Fênix, uma poderosa instituição financeira com sede em Paris, mas com sucursais pelo mundo todo. É a primeira vez que o presidente fundador deixa o cargo e há forte pressão para que o banco apresente melhores resultados aos acionistas, que lhe cobram cortes de pessoal e uma fusão pra lá de duvidosa. Marc se sai muito bem da armadilha, estrategicamente falando, mas sua decisão final, num momento em que a vida lhe apresenta a chance de rendição através da escolha por um caminho totalmente diferente, parece deixar no ar que o Deus-mercado pode se transformar num Diabo, e cobrar a alma de quem segue à risca sua cartilha, como um devoto.
Filmes sobre mercado financeiro, ações, bolsas de valores, esse tipo de coisa, parecem assustar os pouco ou nem um pouco familiarizados com o assunto, e afastá-los de histórias que tem este universo como pano de fundo. Se bem conduzidos, podem agradar e muito o grande público – prova recente é o sucesso alcançado por O Lobo de Wall Street. Mas Costa-Gavras não é absolutamente próximo do estilo de Martin Scorsese, que parece que como diretor se torna um infiltrado no universo que retrata. Aqui em O Capital, o diretor mantém uma certa distância, um afastamento acadêmico calculado, estando mais na linha dos filmes A Negociação (com Richard Gere) ou Margin Call (com Kevin Spacey).
Causa até estranheza, e de certa forma compromete um pouco o andamento do filme, as sequências em que o diretor, para expressar talvez o stress sofrido por Marc, dá vazão a suas reações espontâneas, que se revelam logo em seguida se passarem somente em sua mente. Também me pareceu destoante o uso do recurso de Marc por vezes “falar” com o público, se dirigindo para a câmera. Em O Lobo de Wall Street isto funciona muito bem, aqui não. Mas, por outro lado, O Capital não quer divertir, cinicamente, como seu similar americano. De maneira bem mais “comportada”, digamos assim, Costa-Gavras vai nos carregando pela mão junto com este Fausto moderno, que não deseja a eterna juventude, mas o eterno poder – ou, enquanto dure. Embora paradoxalmente consciente, Marc se deixa embriagar pelo poder, fechando os olhos para o inferno que lhe aguarda.