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    Trash - A Esperança Vem do Lixo
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Trash - A Esperança Vem do Lixo

    Não é só para inglês ver

    por Renato Hermsdorff

    Baseado no livro de Andy Mulligan que se passa em um país fictício, Trash - A Esperança Vem do Lixo tanto poderia ter sido filmado na Índia quanto nas Filipinas ou mesmo no Brasil (países indicados pelo próprio escritor). A proximidade do diretor Stephen Daldry com o trabalho do cineasta Fernando Meirelles quis que a terra descoberta por Pedro Álvares Cabral ganhasse essa disputa.

    A experiência do diretor de Cidade de Deus com a escalação de não-atores foi o fator que pesou na decisão da “sede” de Trash. O filme conta a história de três garotos pobres que, a partir de uma carteira achada em um lixão, encontram um código que leva à fortuna de um político corrupto.

    Para chegar nos intérpretes dos meninos protagonistas (Rickson Tevez, Eduardo Luis e Gabriel Weinstein, que concorreram com centenas de crianças), Daldry – três vezes indicados ao Oscar, por Billy Elliot, As Horas e O Leitor – fez sua própria descoberta do nosso país. Ele passou meses no Brasil participando do processo de seleção do elenco principal e filmou aqui na época dos protestos de junho de 2013, que teve a oportunidade de acompanhar de perto.

    Tamanha dedicação resultou em um filme de forte cor local. Os diálogos, bastante críveis, não só contaram com a ajuda de um roteirista tupiniquim, Felipe Braga, quanto com a constante contribuição do elenco (dos estreantes principalmente). A crítica ao sistema político brasileiro também está lá, com alfinetadas corajosas a instituições que poucos realizadores do cinema nacional têm coragem espetar – de cartolas a organizações religiosas. Junho mexeu com a cabeça do britânico – e isso se reflete (positivamente) na obra.

    Trash é o tipo de filme que começa do fim (ou perto do fim, pelo menos). Rafael (Tevez) está com uma arma apontada para alguém fora do quadro. O roteiro, então, se desenrola em flashback partindo da ideia do como-ele-chegou-até-ali, entregando as informações pouco a pouco, até montar o quebra-cabeças da cena com a pistola. A estrutura, o ritmo eletrizante, o cenário de miséria (aliás, a cenografia do lixão é um impressionante trabalho da direção de arte) de um país emergente (subdesenvolvido, dado o recorte) e o protagonismo dos pré-adolescentes são elementos primo-irmãos de Quem Quer Ser um Milionário?, Oscar de melhor filme em 2009.

    Porém, se as peças se encaixam tão bem no longa-metragem do conterrâneo (de Daldry) Danny Boyle, parece que sobra cartolina no engate de alguns elementos do jogo de Trash. O roteiro assinado por Richard Curtis (conhecido pelo gênero comédia-romântica-com-Hugh-Grant: Quatro Casamentos e Um Funeral, Um Lugar Chamado Notting Hill, O Diário de Bridget Jones, Simplesmente Amor) é baseado mais na fala do que na ação ao encadear as cenas. Ao mesmo tempo em que o tom demasiado explicativo do texto leva a uma sensação de inverossimilhança na resolução de dos conflitos, há situações bastante questionáveis no filme.

    Mas é inegável que, no fim, Trash tem condições de imprimir um sentimento dúbio de orgulho na audiência brasileira. Orgulho por mostrar, a partir da visão de um realizador internacional de renome, uma profissão de fé (a esperança do título está presente para quebrar certos paradigmas), a partir de um retrato tão fiel e atual das mazelas do nosso país. Dúbio porque a fotografia em questão é suja. Sem cartão postal, Trash não é um filme só para inglês ver.

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