Ao longo dos anos, a indústria do cinema sempre tenta inovar em questões técnicas – seja em elementos dentro do filme quanto em fatores externos – do advento do som, com o Cantor de Jazz em 1927, a introdução das cores, o uso de lentes mais abertas, com o Cinemascope de O Manto Sagrado (1953) – passando pelos efeitos especiais de obras como 2001 – Uma Odisseia no Espaço (1968) ou Star Wars (1997), ou os efeitos sonoros de Terremoto (1974) até chegarmos a “era digital”, com O Exterminador do Futuro 2 (1991), Matrix (1999) e a consolidação do 3D em Avatar (2009). Evidentemente, nem todos os filmes que citei exibem uma qualidade artística muito elevada – poderíamos acrescentar a esta lista, por exemplo, O Nascimento de Uma Nação (1915), um dos primeiros longa-metragens produzidos, que trouxe avanços inquestionáveis em termos de técnicas de edição e montagem – mas, lamentavelmente, era um filme extremamente racista em sua história. Enfim, a inovação tecnológica neste ramo nem sempre combina com boa qualidade no resultado final – e este mais novo trabalho de Ang Lee é um infeliz exemplo disso.
Utilizando câmeras que filmam com uma qualidade de filmagem no mínimo duas vezes mais precisa do que as câmeras convencionais atuais, o recurso do 3D+ que Lee se apropria aqui, reflete em uma definição de imagens que é realmente belíssima: repare no movimento do mar, nas gotas de água voando no ar, as fagulhas de explosões – e os movimentos de câmera, objetos e atores – essa técnica, para quem não sabe, consiste em filmar cada segundo de filme com cerca de 120 frames – ou seja, a cada segundo de filme, é como se estivéssemos vendo passar 120 fotos, que resultam no movimento de imagem. Nos cinemas convencionais, com projetores digitais, o espectador conseguirá assistir em 60 frames por segundo – o que, ainda assim, é bem acima dos filmes convencionais, que são feitos em 24 frames por segundo – portanto, para quem ainda não utiliza em suas casas tv’s com essa tecnologia, talvez soe um pouco estranho assistir o filme com este aspecto – mas, creio eu, é tudo uma questão de costume – mas, realmente, isso, nem de longe, é algum problema para Projeto Gemini – que, devo alertar, deve a culpa de todas as suas falhas a concepções humanas – sua tecnologia usada aqui, não tem culpa das desmotivações de roteiro, dos personagens unidimensionais, furos e a eventual falta de criatividade de seu diretor e roteiristas.
O que é uma pena mesmo, afinal, Ang Lee já misturou com muita eficiência tecnologia com arte e com resultados muito bons – basta relembrar de O Tigre e o Dragão ou As Aventuras de Pi – até mesmo seu estabanado Hulk de 2003 tinha algo interessante para mostrar assim – mas esse thriller de ação está à anos luz de ser algo memorável – aqui, o cineasta nos apresenta ao agente/matador profissional Henry Brogan (Smith), que trabalha a serviço do governo dos Estados Unidos. Querendo se aposentar, após longos anos de mortes, Henry, após sua última missão, começa a ser perseguido pelo próprio governo norte-americano, a mando do chefe de inteligência Clay Verris (Clive Owen) – a coisa fica mais complicada para Brogan quando ele se depara com um outro agente exatamente igual a ele, mas cerca de 25 anos mais jovem – com a ajuda da agente Danny (Winstead) e do amigo Baron (Wong) ele precisa confrontar o plano de Clay e enfrentar sua cópia, que possui suas mesmas habilidades físicas e intelectuais para combate.
Como é inegável, Will Smith é um ator extremamente carismático e talentoso – sua presença é sempre um ponto positivo – mas, desta vez, com um roteiro e história desenvolvidos de maneira mecânica, é praticamente impossível se simpatizar com Henry Brogan – como que um homem, que já matou mais de 70 pessoas e passou por tantas guerras pode ser alguém tão “bonzinho” e compreensível com seus rivais? O desenvolvimento das situações é tão “água com açúcar” que torna-se enfadonho a maneira como ele quer defender sua cópia – Brogan, ao contrario de personas de outras franquias, como Ethan Hunt, James Bond ou Jason Bourne, não é um personagem que consegue demonstrar suas motivações – o roteiro o situa como alguém comum – existem os flashbacks mostrando lances de sua infância com os pais e seu trauma com água, que em nada acrescentam – jamais parece existir o fardo de se sentir culpado pela morte de tantas pessoas – enfim, dificilmente parece um agente ou algum “assassino profissional” – e, por mais que Smith se esforce, não deixa de ser o personagem mais unidimensional que já interpretou – só perdendo (acredite) para a própria concepção de sua cópia.
Utilizando-se do mesmo tipo de efeito especial que fez rejuvenescer atores como Robert Downey Jr. e Michael Douglas nos filmes da Marvel, mas com uma técnica mais detalhada devido a captação de imagem mais alta, a versão jovem de Will Smith é problemática em dois sentidos: atuação e visual – visualmente, convence em noventa por cento do tempo – mas, é inegável que em certos pontos, parece que simplesmente tiraram a cabeça de Smith e colocaram em cima de outro corpo – com mais frames por segundo, esse tipo de efeito fica mais escancarado, digamos assim – e, em questão de atuação e construção de personalidade, não existe muito mais do que uma construção de um garoto que cresceu ameaçado por uma relação pouco amistosa com seu criador – mostrada da maneira mais superficial possível – e descrita simples assim por mim para evitar spoilers.
O que nos vai trazendo aos demais personagens – o vilão de Clive Owen é tão caricato que é praticamente impossível levar a sério o que ele diz – alias, a quantidade de diálogos expositivos do longa é absurda – o tanto de falas desnecessárias e pouco inspiradas (assim como as tentativas de humor) provavelmente devem ter deixado o filme com meia hora a mais, sem necessidade – e em questão de alivio cômico é decepcionante como deixam essas funções para a personagem da boa Mary Elizabeth Winstead – a pessoa mais falastrona e desmotivada que já vi em um filme de ação nos últimos anos – parece que sua função é apenas dialogar com Will Smith, para tentarmos entender o que ele pensa – mas se esquecendo totalmente de desenvolver a personalidade da moça – isso se estende também para o papel de Benedict Wong, que, além de tentar fazer graça o tempo todo (e não conseguir) é praticamente um personagem descartável – basta ver sua conclusão na trama.
O que acontece em Projeto Gemini é que a concepção foi baseada, aparentemente, em cima das cenas de ação – como se tivessem pensado: “ah... vamos criar essa perseguição, essa luta... e depois criamos uma história em volta” – algo como John Woo disse ter feito em Missão Impossível II (e o resultado foi aquele fiasco mesmo) – o roteiro tenta se apropriar de uma goof – um artificio do roteiro que não precisava ser explicado, mas que ajuda a levar os personagens para outras situações – algo que cineastas como Hitchcock se apropriavam como um gancho do roteiro para desenvolver a narrativa – o mestre do suspense fez isso com o agente Kaplan de Intriga Internacional, assim como Brian De Palma fez isso com a lista NOC de Missão Impossível I e J.J. Abrams com o “Pé de Coelho” em Missão Impossível III, ou ainda o que Sam Mendes fez com a lista de agentes do MI6 em 007 – Operação Skyfall – só para citar exemplos em filmes do mesmo gênero.
Mas, em Projeto Gemini, isso não funciona porque a trama para desenvolver seus personagens é fraca, desmotivada, sem características que nos façam acreditar que os integrantes da história estão passando por perigo – a goof aqui seria a trama por trás, onde Brogan foi enganado sobre a identidade das pessoas que matava, indicando que o governo dos Estados Unidos adultera e elimina pessoas apenas para atingir seus objetivos diplomáticos ou políticos – enfim, não funciona como ferramenta para impulsionar a história e nem como uma leve critica politica – que, neste caso, em nada acrescenta ao longa, que se ao menos tivesse cenas de ação inspiradas ainda faria jus a todo esse discurso de “revolução tecnológica” – e, agora, creio que vem a maior decepção: a ação de Projeto Gemini é irregular.
Embora, como disse no inicio, a filmagem em 120 fps propicie capturas detalhadas de pequenos pormenores na tela, ela se torna um problema quando Ang Lee tenta inserir closes nas cenas de luta – principalmente entre os dois Will Smiths – ainda mais quando precisa fazer isso em cenários menos iluminados – lamentavelmente ainda notar a coreografia pouco inspirada – repare como Mary Elizabeth Winstead fica avulsa em uma cena onde tenta ajudar Brogan brigando com sua cópia – ou como Smith atira a esmo para a parte de baixo de um apartamento – mas, ainda assim, é digna de elogios a perseguição de motos pelas ruas de uma cidade da Colômbia, onde a misce-en-scene do diretor funciona o suficiente para entendermos o que acontece – e, em alguns momentos, é eficiente que Lee prefira deixar as cenas de lutas com poucos cortes, preferindo filmar os atores ou dublês a uma distancia onde tudo pode ser visto com mais clareza – mas, no fim das contas, para um filme de ação de duas horas, isso acaba sendo muito pouco.
Tão pouco que deixa Projeto Gemini como um dos exemplares mais sem folego do gênero nos últimos anos – um tipo de descuido e falta de aproveitamento de bons recursos tecnológicos que chega a ser deprimente – ficando bem longe de estar perto de alguns dos filmes que citei lá em cima. E, provavelmente, um dos trabalhos mais fracos da carreira de Will Smith.
Com um roteiro tão bobo e desenvolvido as coxas não é possível revolucionar nada no cinema.